quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Mudança de Hábito

Esses dias eu me apaixonei. Foi assim mesmo, repentino. E indesejado, admito, vez que tenho a cabeça feita de problemas e os assuntos do coração só atribulam minha alma deveras pragmática. Pois é: pragmática. Portanto, jeito haveria de dar para o ocorrido ainda naqueles próximos dias.
O objeto de meus pecados era um ser sem razão de ser, como eu. Uma criatura singular, que gostava de coca-cola, ouvia roque nacional e não sabia amarrar o próprio tênis.
Deixei de lado quando me ocorreu, mas já no silêncio da noite, antes de dormir, flagrei-me numa daquelas cenas de canção clichê, juntando o antes, o agora e o depois. Confesso que empaquei no entre o agora e o depois, o que me fez pensar que precisava resolver a questão de imediato. Fui escrever um poema.
"Chavão, Reticências, Chavão
Te achei por aí
Enchendo a cara no bar
Per amore da Zizi
Começou a tocar
E eu lá sem saber
Que um dia estaria a querer
O teu tênis vermelho amarrar"
Desisti. Poema não articula bem tudo aquilo que eu não precisaria dizer, mas gostaria que alguém quisesse ouvir. (Além disso, acho que Zizi Possi não toca em qualquer lugar.) Enfim, segui rumo ao bar para falar-lhe. Estava tomando o chope de sempre, com o tênis desamarrado e uma calça engraçada:
-- Hey! Alguém apareceu! Benzadeus! Este lugar estava tão sóbrio! Senta aí, vamos conversar, vou pedir um chope. Então, sabe aquela matéria que eu escrevi? Pois é, o pessoal gostou muito lá na edição (...)
-- Eu gosto de você.
-- Como é?
-- Estou sob efeito dum sentimento que te faz pensar em alguém sem parar.
-- E você sabe que sentimento é esse?
-- Não, mas você está nele.
Pronto. Eu acabara de criar um "climão", com meu alto senso de sentimentalidade e romantismo incontestável. No momento, cheguei a pensar que deveria roubar-lhe um beijo, mas isto jamais sairia de mim sem algum tipo de consentimento por parte da criatura que, agora, me observava curiosamente.
Se vocês, apaixonados ou não, têm na lembrança um beijo qualquer, de filme ou de vivência, sabem que há aquele ínfimo momento entre o querer e o estar lá, onde os olhos não ficam tanto mais nos olhos, mas apreciam, quase que ininterruptamente, a boca. A vontade de cometer a apreciação me era enorme, acreditem, mas o fato de iniciá-la com aquele espécime que, no momento, apresentava-se ligeiramente chocado, emitindo sinais de "não sei se estou realmente a fim de te pertencer", não soou como um convite.
E eu ainda precisava dizer alguma coisa.
Deus, nestes momentos desgraçados de interação social motivada por segundas intenções, poderia fazer surgir no ar balões de quadrinhos, com mensagens instantâneas para descontrair.
-- Bom... Eu só queria que você soubesse.
-- Bem... Er...
-- Te vejo por aí. – terminei antes que pudesse ouvir qualquer coisa que não condissesse com aquilo que gostaria de ouvir. Ou de fazer. Estava me virando para caminhar em direção à porta, quando:
-- Não, ei, espera!
Pensei comigo "é isso! É um sinal!". Virei. "Ou então é só uma explicação, não é beijo, não é nada.". Virei de novo. "O que você tem na cabeça?! Vai ficar virando e desvirando, é?!". Virei novamente, e a expressão de choque, agora era de espanto. Sabe quando a pessoa faz aquele ponto de interrogação com a sobrancelha? É, foi bem isso.
"Se eu tentar alguma coisa, vou levar um empurrão?".
Decidi me aproximar, quando, qual não foi minha surpresa, já que o Universo conspira, o barman traz o meu chope e começa a conversar conosco:
-- Vida de barman, tenho que dizer, é um serviço gratificante. A gente vê de tudo na televisão e vê de tudo em bar também. Tem casalzinho, rodinha de amigos conversando sobre futebol, briga, bebedeira de corno, deixado, amante, despedida de solteiro e, claro, o zero à esquerda que vem para desabafar...
-- É, o dia-a-dia de vocês deve ser algo interessante...
-- Vejo que interrompi. Desculpem.
-- Não, não, tudo bem.
-- Ah, sério? Se é assim, deixa eu contar o que vi por aqui ainda essa semana. Vieram aí uma coroa e seus dois cachorros, daquela raça pomposa, nanica, peluda e de latido irritante. A coroa era bonita até, uns peitos grandes, sabe? Puro silicone, hehe. Não vão acreditar quando eu disser que a dona pediu bebida cara servida em tigelas para dar aos cães. Disse que os animais estavam fazendo terapia e que o próprio terapeuta recomendou que enchessem a cara para aliviar o estresse. Aparentemente, estava reformando o apartamento e os bichos estavam irritados com a mudança (...)
"Era só o que me faltava. Que me interessam os bichos, a bebedeira, ou os silicones da mulher? Que me interessam as guerras, os tratados internacionais, a obesidade infantil, o índice de crescimento do país? Que me importam este barman e sua vida interessante? Estou num estado de egoísmo exclusivista e exijo atenção. Agora!... Ai... Você não vai nem olhar para mim? Mimimi (...)".
-- Olha moço, vou ter que interromper um pouco, o.k.?! Acontece que nós aqui – e apontou-nos – precisamos conversar, se não se importa.
"É, é isso aí! Mostra para ele!".
-- Ah, que é isso, imagina.
Era preciso que eu dissesse alguma coisa. Depois de tudo aquilo, já tivera tempo suficiente para pensar em alguma futilidade útil. Poderia perguntar mais sobre a matéria, o que disseram, sei lá... Não, mas estaria fugindo do assunto. Um chope! Oferecer um chope. O problema é que já estávamos com chopes. "O.k., estou a um passo de querer que o grupo É O Tchan invada o bar. E isto é, convenhamos, altamente desnecessário. É preciso calma. Calma... Isso, pára de tremer este umbigo, porra! Agora, diga alguma coisa. Fala! Vai!".
-- Er... – ótimo, tinha ganho algum tempo.
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"Mas que FIASCO! Eu realmente não tenho nada melhor para dizer?"
-- Então... Er... – bom, estava finalmente comprovado: até uma barata causaria mais impacto que eu.
-- Eu acho que você precisa se acalmar um pouco... Olhe só, até o seu nariz está tenso... Hehe.
Mas que espécie de comentário difamador fora aquele? Verdade seja dita: nunca pensei que um nariz pudesse ficar tenso, o que me levou a crer que, se era assim visível o nervosismo, eu devia estar semelhante a uma toalha torcida. Então comecei a questionar a impressão causada por meus traços e meu visual urbano, quando, ao olhar para baixo, flagrei-me numa repentina descrença total perante alguma obscura salvação para minha fugidia vaidade, vez que meus pés encontravam-se estocados em fofas e ursulinas pantufas.
-- Meu, você está de pantufas!
-- É que... Saí na pressa, entende? – "eba, eba, estamos interagindo.".
-- Você tem algo de bizarro.
-- Sabe, esse foi o comentário mais sincero que já fizeram sobre a minha pessoa. – "muito bom, muito bom. Agora, vai, diz como você se sente."
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"POUTZ! Mas eu já disse!!! O.k., lá vai..."
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-- Posso amarrar seu cadarço?

Um comentário:

Gabriel disse...

Poutz... da vontade de chorar lendo essas coisas i.i

pq o mundo é tão injusto?

uns escrevem tão bem, outros tão mal

blah

heuheuehuhue só não pare por favor, tah add nos favoritos ok?

bjks!