domingo, 25 de fevereiro de 2007

I'm not stupid. I'm a very special girl. (2006)

Sempre gostei de pensar que sou observada por certas celebridades já pertencentes a outros planos espirituais (se é que me entendem). Gosto da idéia de pensar que há 'gente ida' me olhando, como se me notasse e me incentivasse, porque pode haver algo em mim que não há nos outros. Gosto de imaginar, por exemplo, que a Cássia Eller me olha lá de onde for quando eu penso nela e em tantas outras mil coisas que me confortam quando ouço Malandragem. Gosto de pensar que, apesar dos tantos milhões de fãs de Nirvana, o Kurt arranja um espacinho na sua agenda de defunto para ficar me observando quando boto o CD mais famoso da banda para tocar, nos meus momentos mais íntimos de fúria. Também gosto de imaginar que o Sr. Machado de Assis me espiona quando escrevo; queria que ele soubesse que todas as coisas que tento colocar no papel têm sempre algo dele.
Também gosto de imaginar que, no meu possível futuro, haverá uma entrevista com a Marília Gabriela, na qual ela fará perguntas indecorosas e eu, ganhando um prêmio revelação, contarei toda a minha história através de metáforas, pedindo desculpas inclusive a todos aqueles que tiveram algo a ver comigo no passado e para os quais não dei o melhor de mim. [Ou seja, todo mundo?]
Às vezes, me imagino atriz. Interpretando papéis engraçados, mesmo bancando a chorona num daqueles dramalhões emocionantes que te fazem pensar. Imagino-me um daqueles talentos desconcertantes, que aparecem do nada, no entanto, com o que promete ser um futuro brilhante. Gosto de pensar que a Julia Roberts, a Winona Ryder e o Ethan Hawke gostariam de me conhecer e trabalhar comigo.
Imagino-me romântica sem causa, daquele tipo que escreve poema, rasteja e, se precisar, muda os planos de toda uma vida mudando-se para Timbuctu com a pessoa amada ao lado. Nem Camões seria tão romântico cego quanto eu! Gosto de pensar que o Damien Rice me notaria na multidão. Gosto de ser observada com interesse por outras pessoas; gosto que poucas pessoas me façam sentir interessante apenas com o que eu interpreto em seus olhares. [Deve ser tudo bobagem, maaas...]
Imagino que Deus esteja cansado de todos os meus sonhos, porém imagino que ele saiba que eu também estou. E que, apesar de eu sentir realmente um ódio imenso por mim mesma, Ele sabe que, no fundo, eu devo ser uma narcisista; narcisista inclusive por gostar de me odiar. Além disso, Deus me envia sinais e sabe que eu penso se tudo o que vivo já não foi traçado... Destino é coisa para pessoas especiais; eu devo ser especial, porque Deus me envia sinais e a minha vida... Bem... A minha vida demanda certa paciência - e Ele, contrariando todas as expectativas, tem tido muita, o que me leva a crer que eu tenho uma missão especial a cumprir e, por isso, Ele me atura.
Também gosto de pensar que nenhum psicólogo me agüentaria por muito tempo e que as coisas no mundo foram organizadas de tal maneira para que eu ficasse cheia delas e fizesse algo. Acho que é por isso que gosto de me sentir espiada por estas celebridades que foram e adoro sonhar tudo isso, pensando, até mesmo, em algum tipo de reconhecimento, entende? Não? Nem eu [definitivamente, não fui feita para holofotes]. Talvez eu deva me tornar a pandeirista de uma banda de samba-rock e morrer por meus ideais de fim-de-semana todo dia, leia e escreva sempre, conquiste o mundo à base de olhares e ame a quem você ama. Que tal?
Lógico, eu não morreria por isso. Morreria à bala me atirando na frente da arma para salvar alguém que me rouba o fôlego e com quem estabeleceria uma dívida cármica de encontro na próxima encarnação.
Putz, que o Renato Russo me ilumine com suas palavras sábias e me poupe de mim. Até.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Divã Instantâneo - parte I

É só impressão minha ou eu vivo passando a impressão errada?

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Arrumando a casa

Mamãe esteve arrumando a casa, juntando contas e lixo. E eu simplesmente adoro quando as pessoas fazem essas limpezas, pois acabam desenterrando coisas que são, no mínimo, engraçadas de lembrar. Eis aqui uns achados:

"2) A Andrea gosta de dormir de barriga para cima ou de lado, enrolada no cobertor. Ela não gosta de ficar de bruços. Cuidado com o cobertor, manta, etc., pois ela coloca no rosto e não sabe tirar." (recomendações maternas I);

"7) A Andrea costuma arrotar mais de uma vez. Após o banho e a refeição, quando for colocá-la deitada, para dormir, certifique-se de que ela arrotou bem." (recomendações maternas II);

"A Andrea come uma banana-maçã inteira (tamanho relativamente pequeno), e 1/2 ou 3/4 de uma banana nanica tamanho médio, bem amassada." (recomendações maternas virginianas III);

"27/09/89
-- O cobertor rosinha ficou aí?" [desde cedo, esquecendo roupa íntima na casa dos outros...].

Davi escreveu a Papai Noel:
"Papai Noel eu quero um brinquedo igual aquele castelo que você midel mas agora eu quero um bangui bangui e mais nada.
beijos".
o//

Invarialmente (janeiro/2006)

brinquei no escuro esperando esbarrar no sol
esqueci, porém, de sorrir a inocência
fiz meu passado como quem aguarda o amanhã
e penso no amanhã como quem quer esquecer
cada passo dado é um retorno latente
cada verso é repensado para ver se acerto
as coisas não saem de mim por puro deixar
meu coração não é bonzinho, ele quer recompensa
é fácil esconder as feridas sob frieza
mas ela somente torna o corte mais fundo
sei-me aqui tentando não parecer tão miúda
perto do espaço grande onde se perdem as palavras
mais acho bonito do que realmente coloco pra fora
tento pisar o chão que enxergo
mas a altura é a minha ilusão de segredo
a conquista e a decepção constroem minha ironia
enquanto eu me faço de forte
e choro quando ninguém está olhando

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Bob Moz

Ela tinha então 16 anos. Era fã do The Who, da Janis Joplin, do The Doors e do Bob Marley; vivia cercada por essas más influências que ainda respiravam o ar psicodélico dos anos 60-70. "Filha, você precisa estudar, suas notas estão horríveis. Afinal, onde é que você quer chegar assim?", perguntava o pai; "filha, mas que visual mais descuidado: essas unhas, essa juba. Que vão pensar? Que eu te criei pra espantar ladrão, mau olhado?! Isso não é jeito duma menina de família se portar!", dizia a mãe. Para todos os tormentos, ela só tinha uma única e singular resposta: "paz e amor, bicho".
Num desses encontros muito loucos, ela conheceu ele. E ele era o máximo: cabelo bagunçado, óculos John Lennon, um poeta falido que, bêbado, era um sucesso. Dizia que tocava violão como os anjos dedilham suas arpas. Vez lhe perguntaram:
"-- E tu já viu anjo, cara?
-- Se eu já vi anjo? Já vi muitos. Tô olhando para um agora." – e ela derreteu. Já não ligava para as arpas, para os anjos, para o violão que, por sinal, ele não tocava... Mas tocava gaita. E digo mais: aprendera com o avô, um depressivo-compulsivo-panteísta que dizia que sua alma encontrava-se na tal gaita e que, por isso, o som que saísse dela devia ser triste e obsoleto, como a sua vida. Então o avô morreu, e ele a guardou em memória da vida triste e obsoleta do avô.
Enfim, continuando, os dois compartilharam o amor livre... Descompromissados, altamente cativados, mas rusticamente interessados em desvendar mais daquela criatura que, juravam, tinham a oportunidade de conhecer muito melhor do que tantos outros, passaram a noite curtindo um ao outro, com aquelas velhas dúvidas nas quais estes enlaces sentimentais – hedonista-tentadores – resultam: ... Er? Alguma dúvida?
Pois bem. Depois de alguns pegas, ele disse que estava com uns planos diferentes: estava planejando rodar o mundo com seu violão, levando mensagens de paz a todos que quisessem ouvi-lo cantar "no woman, no cry" por uns trocados. Era um cara à frente de seu tempo, visionário e que, garantiu, se pudesse, a levaria a Amazônia. Ela não quis. Disse "que barato!!!", mas que, infelizmente, tinha outras idéias na cabeça: faria a apologia da venda da coca a R$3,00 o litro, e descobriria a cura para a cor da grama. Queria porque queria ver grama azul. Havia flores azuis, por que não grama? Injustiça descabida essa...
Um dia, estava passeando tranqüilamente por aí, quando bate a ânsia, e o almoço mais parte das tripas decidem voar-lhe boca afora. Era isso. Estava grávida dele. Carregava um princípio de gente no útero. "Opa, não sou estéril como dissera o guru Sandro...". Resolveu fugir de casa e se refugiar numa comunidade alternativa a alguns quilômetros de Sorocaba, fundada por um amigo seu.
Ficou por lá e deu à luz um menino, a quem chamou de Bob Moz(art). Bob Moz foi criado sob alguns poucos princípios da comunidade. Na real, apenas dois. Muito únicos e singulares: "paz e amor".
-- Por que o céu é azul, guru Sandro?
-- Na real, Moz, não é azul. Aquilo lá é amarelo.
-- Amarelo não é isso aqui que eu estou vestindo?
-- Você acha que é?
-- Sim... Não é?
-- É verde abacate.
-- Mãeeeee, o que é a vida?
-- A vida é um espasmo temporal.
-- E o que é isso?
-- É uma simples complicação.
-- Mãeeeee, você é muito paradoxal.
-- Você viu isso Sandro?! Ele disse paradoxal!
Pode-se dizer que Bob Moz era o cara mais esclarecido da Terra. Fora criado com ajuda de Sandro e mais alguns amigos dela. A comunidade era, de fato, muito unida. Todo mundo ajudava todo mundo e já havia crianças com quem Bob Moz pudesse brincar. Conheceu Maurício, Garibaldi, Capivara, Marissol, Iara e outras tantas pestes com quem acampou, jogou bola, brincou de esconde-esconde, fez teatrinho, ficou bêbado pela primeira vez.
Já com 16 anos de idade, sentiu uma pontada estranha no estômago quando, numa tarde qualquer, sentou ao lado de Iara, sua melhor amiga. Beijou-a. Achou que era isso a que sua mãe se referia quando falava de amor. E até que gostou de amar Iara.
-- Mãe... O que é o amor?
-- O amor... O amor é.
-- É o quê?
-- Ele não é nada. Ele é.
-- É somente?
-- É.
-- Mãeee, quem é Jesus Cristo?
-- É um cara parecido com a gente, filho.
-- E por que tem quem pertence ao exército dele?
-- Nas camisetas?
-- É.
-- Há diferentes tipos de gostar.
-- Isso é gostar?
-- Depende.
-- Do quê?
-- De o líder do exército não reencarnar...
Bob e sua mãe eram muito amigos, compartilhavam tudo um com o outro. Ele gostava de passar tempo com ela para fazer-lhe perguntas, porque ela parecia ter resposta para tudo e isto o irritava, e instigava a continuar perguntando.
Numa tarde qualquer, Bob decidiu contar à mãe sobre Iara.
-- Mãe, eu acho que amo a Iara.
-- Rolou alguma coisa?
-- Sim.
-- Meu menino já tá homem.
-- Isso me deixa homem?
-- De certa forma. O que aconteceu exatamente?
-- A gente curtiu. E foi bom. E eu também senti uma pontada no estômago.
-- Me fala dela, Bob.
-- Ela é bonita, tem um sorriso lindo. Me deixa, sei lá, louco. E escreve poemas bacanas.
-- Tem mais coisa?
-- Não sei... Tem diferença entre gostar e amar?
-- Gostar tem condição.
-- E amor é?
-- Amor é...
-- Então acho que não é amor.
-- Goste dela então, Bob.
Depois de alguns meses, Bob reparou que sua mãe e Sandro andavam esquisitos. Sumiam de repente, trocavam mais olhares do que o normal e algo pegou o Bob de jeito: ele tremeu à possibilidade de os dois estarem se amando. Foi como se alguém o estivesse apertando lentamente, sua testa esquentava e ele pensava em todas as ínfimas coisas que os dois pudessem fazer juntos. Sandro a veria sorrir, a tocaria, a ouviria responder a tudo, incrédulo, bobo e irritadamente interessado.
Ela tinha então 32 anos. Era ainda aquela menina louca em sintonia com tudo, que curtia uma boa com os amigos nos luaus, porém, agora, num corpo de mulher mais entendida do esquema. Conservava os traços delicados, os cabelos desarranjados, os vestidos leves. Era uma mulher bonita sim. E Bob sabia disso, não porque fosse sua mãe, mas porque era e pronto.
Meio espantado, foi falar com Maurício:
-- Maurício, meu peito tá queimando.
-- Por quê?
-- Acho que minha mãe tá amando o Sandro.
-- Ah meu querido, depois de tanto tempo de amizade, a coisa só tinha que colorir um pouco, né?!
-- Bom, eu só sei que acho que não quero que a coisa fique com cor.
-- Ai, que nóia. Por que não?
-- Porque ele é o Sandro. O que ele quer com a minha mãe?
-- Ele quer a sua mãe, bofe.
-- Bom, tem que parar. Ele deve estar, não sei, sabe... com ela, entende?
-- Não, mas acho que sei o que se passa aí.
-- O quê?
-- Você está com ciúme.
-- Ciúme?
-- Ciúme é aquilo que a gente sente quando tomam o que é nosso por direito, sem a gente ter direito a nada.
-- Mamãe nunca me falou de ciúme.
-- A idéia era você não identificar, Bob. Neste mundo, a gente precisa é ser esperto.
-- Você sabe o que é ciúme?
-- Sei. Tenho ciúme da Iara.
-- Gosta dela? Mas eu pensei que você estivesse em outra... Aliás, outro.
-- É que ciúme a gente usa pra se referir à vítima de nossa pequena fúria.
-- Mas por quê?! Ela só está... Ah.
-- Isso mesmo. Você entendeu. Agora saia daqui antes que eu fique inconveniente.
Bob Moz saiu andando por aí, pensando nela. Até que sentiu um aperto no estômago, tontura e arrepiou por inteiro. Sentiu medo. Pronto. Sabia. Amava. Mas amar, talvez já amasse antes, então...(?) Saiu correndo na esperança de Sandro ter ido chatear outro para que pudesse conversar com sua mãe em paz.
-- Mãe, mãe!
-- Fala Bob.
-- Mãe, acho que eu te amo!!!
-- Eu também te amo, filho.
Não era possível. Não podia ser somente isso. Era mais. Queria curtir com ela também. Mas... Então, não seria estranho? Um filho com a mãe? Já aconteceu antes? Ora, não havia nada de estranho. Era só alguém amando outro alguém. Era!
-- Mãe, acho que você não entendeu. Eu te amo, mas eu quero algo. Eu quero você.
-- Ok. Está com vontade de me beijar?
-- Não..... Sim.
-- ...
-- Mãe?
E ela ficara sem resposta.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Comentário à parte...

No que remete a filmes, os ingleses definitivamente não entendem muito de humor...

Pra que lado fica Meca? (2006)

Mohammed [quanta originalidade!] nasceu em um campo de refugiados, no Jenin, ao norte da Cisjordânia, e cresceu em meio ao embate de balas palestinas e israelenses e às empreitadas aliciadoras de grupos fundamentalistas. Como qualquer outro muçulmano, desde cedo, foi imbuído dos ensinamentos do Corão e achava bonito, e se orgulhava de ter o nome do Profeta (Maomé = Mohammed). Mas foi criado a encargo do medo, ao ver sua família se escondendo das bombas e das rebeliões freqüentes, mesmo no campo.
Allah era bom, era Deus de todos, seu pai lhe dissera. Então, que diferença fazia se os judeus O chamavam diferente? Mohammed tinha muitas perguntas. Dava muito orgulho ao pai, o qual respondia a todas de maneira simples para que o menino entendesse.
Seu pai, um dos agricultores da região, fazia questão de criar os filhos sob uma filosofia pacifista: a guerra em nome de Allah, ou em nome do que quer que fosse, jamais seria um caminho.
Mohammed tinha mais dois irmãos: Abdul-Haqq e Amala. O primeiro, o mais velho, era um ariano inquieto que falava da opressão e discorria sobre o medo e sobre a liberdade. A segunda, a caçula da família, era uma observadora. O velho pai tinha do que se orgulhar: apesar de todos os defeitos, seus filhos tinham personalidades fortes marcadas por grandes qualidades. O primeiro argumentava com paixão, era amante de discussões político-idealistas; Mohammed era perspicaz e parecia colocar no pai a imagem de sábio-santo-médico-professor-Freud-entendedor das coisas do mundo, fazendo-lhe perguntas incessantemente, e Amala, linda menina, observava com olhos e ouvidos sagazes, sem dizer muita coisa, mas deixando claro que entendia tudo o que se passava. Gostava de falar com Mohammed, em quem enxergava receptividade de idéias, porém seu pai se punha a ouvir algumas passagens e se orgulhava muito da filha também. Haveria de transformar-se numa grande mulher.
Um dia, o pai saiu para trabalhar. Os três filhos estavam em casa, quando começam a ouvir gritos, disparos vindos da rua e vêem uma estranha luminosidade da janela: aparentemente o Cirque du Soleil havia chegado ao campo, enviado pela ONU com a missão de promover a paz na região através da política "troque seu punhal, sua pedra, sua metralhadora, sua bazooka, seu revólver, seu estilete, sua tesoura, seus explosivos por um ingresso". Do outro lado da rua, havia fogo, pessoas correndo desesperadas, verdadeiro tormento. Abdul-Haqq imediatamente levou os dois irmãos para o esconderijo, numa espécie de porão construído por ele e pelo pai para servir de abrigo em caso de ataques.
-- Fiquem aí e não saiam em hipótese alguma.
-- Mas a gente vai passar fome.
-- Ah, toma.
-- Tâmaras? O que eu quero com tâmaras?
-- O que vocês querem?
-- Macarrão instantâneo.
-- Não tem.
-- Então tá, dá aqui as tâmaras.
-- Toma. Vou indo.
-- Aonde?
-- Vou atrás do papai.
Abdul saiu da casa com um facão de cozinha na mão. Lá fora, não se podia definir direito a que aludiam todos aqueles sons: às vezes, ouvia zunidos, explosões, noutras, somente os gritos e choro. Pôs-se a correr em direção ao campo à procura do pai. Não o encontrava em parte alguma, a plantação pegava fogo, muitos corriam pra lugar nenhum. Então avistou: encostado ao que sobrou de uma cerca, tossindo e com a enorme barba pegando fogo, lá estava ele.
-- Pai, pai!!!
-- Abdul, apaga! Apaga!
-- Sim, é pra já! - e começou a golpear a barba do pai com a própria camisa.
-- Ufa...
-- Pai, se apoie, ande. Vim pra te ajudar. Temos que sair daqui!
-- Não! Não dá mais... pra mim...
-- Deixa disso! Venha! - e puxou o pai para si. Nisso, as duas pernas ficaram e o pai soltou um tremendo berro.
-- É o fim pra mim! Volta... Vai pra casa! Teus irmãos!
-- Não, pai...
-- Estou sem as pernas, não vês?! Sem elas, não poderia mais trabalhar!
-- Não, pai... A gente dá um jeito! Há cadeiras de rodas!
-- Como é que eu vou pagar uma cadeira de rodas?!
-- Mas pai, o programa do Netinho, pai... A gente vai pr'o Brasil e (...)
-- Não filho - e tosse mais ainda -, chegou o meu fim. Eu estou bem. Vou morrer. Um dia, todos iremos. Agora, volte pra casa!
-- Tá certo, pai... T__T
-- E lembre-se filho: a guerra não pode ser um caminho!
-- Ok, papai.
-- Ah, e mais uma coisa filho. A Gisele... A Gisele Bund... Bundxxion... Bundich... Bem, apenas guarde isso: é 86-61-86!
-- Ok, papai. Adeus... ó.ò/
Já em casa, encontrou os irmãos com os dedinhos das mãos entrelaçados, olhares fixos. Achou melhor não dizer o que, de fato, havia acontecido.
-- Amala, Mohammed, preciso falar com vocês.
-- E papai? E papai?! - perguntou ansiosamente Mohammed.
-- Papai, sinto dizer, não está mais entre nós. Ele... ele encontrou seu lugar.
-- Que história é essa Abdul?! - indagou Mohammed.
-- Estou dizendo, Mohammed, que papai acabou esbarrando em um grupo de ativistas da CIVC (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) pela manhã e decidiu seguir com eles pelo mundo, na esperança de ajudar as pessoas vítimas de guerras.
-- Uau, que bonito. - concluiu Amala.
-- Papai finalmente achou seu lugar. Isso é tão mágico. - e uma luz desceu dos céus e iluminou Mohammed. Era uma lanterna: os vizinhos haviam entrado na casa para socorrer os três irmãos.
-- Ó meus pequenos, como estão? - perguntou a vizinha gorda.
-- Estamos bem, senhora.
-- Ficamos sabendo sobre seu pai.
-- Estamos felizes por ele. Papai encontrou seu lugar. - disse, ingenuamente, Mohammed.
-- Ah... Meus pequenos, (...)
-- Não se preocupe, senhora. O pai vai se dar muito bem na CIVC. - alegou Abdul-Haqq, com uma piscadela. A vizinha entendeu.
-- Bem, podem ficar em casa por hoje. Teremos carneiro para a janta.
Abdul-Haqq agora era o chefe da família. O poderoso chefão da máfia, o lobão alfa da alcatéia, o zangão da colméia, o cabeça do grupo, o responsável, o intelecto, o provedor, o pé principal do tripé, enfim, e precisava decidir sobre o futuro dos dois irmãos, além do seu próprio. Só havia um caminho: fugir dali. Daquela guerra. Fugir como covarde e sobrevivente ao invés de morrer corajosamente, afinal, mais vale viver e falar da covardia com coragem do que morrer sem poder falar da própria coragem e da covardia alheia. [Sou péssima com esse tipo de enrolação... Hehe.]
Estava decidido. Viajariam rumo a Jordânia e de lá, só Allah sabia para onde. Juntaria as coisas, arrumaria um dromedário [é, não é camelo, não senhor!] e daria no pé. Mas, então, como deixar a Cisjordânia? Os arredores estavam entupidos de judeus...
-- Dona Sabah, a senhora me dá licença? Tenho que resolver uns assuntos particulares. - disse Abdul.
-- Vai meu filho, mas vê se volta depressa. A coisa aqui já está chegando ao nível do PCC... Onde esse mundo vai parar, pelo amor de Allah?!
-- Não demoro. Pelo menos, acho que não.
Saiu. Sabia que o Cirque du Soleil não teria as melhores acomodações. A lona fora montada nos arredores da vizinhança. Era enorme: Abdul não teve problemas em localizar o circo. Tinha o plano: 1) encontraria uma menina desacompanhada, carente, com certa influência no recinto; 2) bancaria um homem digno e a pediria em casamento; 3) a embebedaria, caso o item 2 não funcionasse; 4) partiria para a agressão se o item 3 não funcionasse; 5) sairiam os quatro da Cisjordânia com a companhia do Cirque du Soleil, rumo a qualquer lugar.
Ao chegar, avistou milhares de moças vestidas da maneira mais imprópria possível: roupas coladas ao corpo, algumas com pompons, outras fazendo espetaculares demonstrações de elasticidade. Foi então que a viu: cabelo escuro, chanel, olhos escuros, estatura média, um corpo difícil de descrever, dada a eventual composição da moça: um pé sobre a cabeça, o outro apontando para o ar, enquanto os dois braços a sustentavam. Alguém gritou Christine. Ela atendeu, só que em francês.
Foi então que Abdul percebeu... Como bater um papo com ela? Ele sabia umas míseras palavras em inglês e nem sabia se a moça falava ou não. Bom, dizem por aí que a linguagem corporal é tudo. "Vou oferecer Arak e deixar a moça doidona.".
-- Hi.
-- Hi. - disse Christine.
-- Want? - e oferece um pouquinho.
-- What?
-- Arak.
-- No... You.
-- You? - Abdul, confuso, pensa estar gafando.
-- No, you, you.
-- Ah, oui, oui. - Abdul dando demonstrações de seu vasto conhecimento poliglota.
-- Oui?
-- Oui... No? - Abdul...
-- No! Oui, oui! Come, come! - e Christine agarrou Abdul.
Abdul gostou.
Enquanto isso, Amala e Mohammed divertiam-se assistindo à perseguição do carneiro escolhido para oferenda. Dona Sabah começava a se estressar com os meninos.
-- Chega! 'Cês vão comer Habib's!
-- \o/ \o/ \o/ \o/ \o/
-- Parem de pular, ou vou doá-los à brigada militar do Hamas!
-- lol lol
-- Assim, sim.
Dali a alguns minutos, a casa silenciou. Todos rezavam, virados para Meca, ao pôr-do-Sol, como determina o preceito muçulmano. O problema é que, no dado momento, enquanto todos os palestinos oravam, Abdul-Haqq via-se confortavelmente impelido a faltar para com os ensinamentos da doutrina. Allah o perdoaria, tinha certeza. Se não tinha, é porque também não estava pensando nisso. Absolutamente.
Após a janta, Mohammed e Amala começaram a conversar:
-- Não é que o capitalismo seja um sistema elitista, é só que os homens que o discutem são ricos demais. - disse Mohammed.
-- É por isso que eu prefiro falar sobre sexo! - exclamou Amala.
-- Na minha singela opinião, Freud foi o primeiro sexualista escancarado da história! - começou Mohammed.
-- E eu com isso... Quer ouvir uma coisa realmente importante que pode mudar o mundo como o conhecemos de fato? - desafiou Amala.
-- Diga.
-- 2 + 2 = 5.
-- UAU. O_O
Pela manhã, Abdul-Haqq acordou Christine gentilmente.
-- Christine! Christine! - enquanto apontava-lhe a meio centímetro do nariz uma folha de papel com alguns rabiscos.
-- Ma qui merde!!!
-- Nhã? - pobre Abdul, criatura confusa.
-- What?
-- Look!
E, através de uma rústica história em quadrinhos, Christine pôde entender o que se passava. Os últimos quadrinhos remetiam à cerimônia de casamento. Então ela, complacente, fez aquela mímica simpática dizendo "sim, tudo bem, eu concordo, desde que não nos casemos. Foi muito bom, mas foi só por uma noite.". Mencionou, depois, algo como uma "ocidental relationship". Ele não entendeu a última parte, mas tudo bem.
O Cirque du Soleil partiria em 10 dias rumo a Jordânia e depois seguiria para a Arábia Saudita; dali, seguiria para o Iraque e, do Iraque, tomaria um avião em direção a Índia e, depois, a China.
-- Mohammed, Amala, tenho boas notícias. Vamos viajar.
-- Viajar?! Pra onde?
-- Há um itinerário. O negócio é saber onde parar. - respondeu Abdul.
-- Opa. Quais são as opções?
-- Muitas. Mas a que conta é que deixaremos a Cisjordânia.
-- E se papai tentar nos encontrar? – perguntou Mohammed.
-- Não se preocupem. Eu vou deixar a Dona Sabah avisada.
Em 10 dias, estavam com tudo em ordem para a viagem. Abdul-Haqq até tentou escapar aos ensinamentos mais algumas vezes com Christine, mas não obteve grandes resultados. Quando a mulher não está a fim, ela não está afim, isso Abdul pôde compreender rapidinho.
Partiram. Passaram pela Jordânia, pela Arábia Saudita, pelo Iraque, pela Índia... Entraram em contato com cristãos, ateus, agnósticos, hinduístas, budistas, ciganos e aprenderam a fazer malabarismo e passes de mágica. Mas, como bons seguidores do Corão, não esqueciam as orações, tampouco esqueciam outros tantos costumes, os quais não menciono porque, sei lá, muita enrolação. O circo fazia tremendo sucesso por onde quer que passasse e tanto Amala, quanto Mohammed e Abdul se divertiam bastante com os artistas, porém, era hora de assentar e parar de abusar da hospitalidade da companhia.
Decidiram sossegar no Nepal, mais precisamente na Cadeia do Himalaia... Sim, falo do Tibet. Aparentemente, os três ficaram impressionados com o tanto de neve que havia por lá.
E é isso aí. Antes de se despedir de Christine, Abdul perguntou a um cara o que significaria "ocidental relationship". Após esclarecida a dúvida, disse a Christine, naquele inglês bem arcaico: "love to ocidental relationship to you". Mohammed se despediu dos amigos macacos que havia feito na viagem e Amala ficou com um tufo da barba da mulher barbada de presente.
Em companhia dos monges, os três teriam que aprender a falar mais baixo... Não conseguiam acreditar no quanto suas vidas haviam mudado. Muçulmanos no Tibet.
-- É estranho, não é? - perguntou, distraído, Mohammed.
-- O quê? - perguntou Amala.
-- O pai ter ido embora assim sem nem ao menos, sei lá, deixar a gente em algum canto seguro. - desanimou Mohammed.
-- Sabe por que estamos aqui, Mohammed? - disse Abdul.
-- Ué, por causa da guerra, não é?
-- Sim, mas... Bom, deixa eu contar pra vocês. Papai não partiu com os ativistas da CICV simplesmente. Ele deixou toda esta viagem planejada pra gente.
-- UAAAAAAU. Papai é realmente um cara sabido! - Mohammed exclamou todo contente.
Depois de um tempo, Amala viu Abdul sentado a um canto do templo, admirando a vista. Chegou perto do irmão e indagou:
-- Papai não está com a CICV, não é?
-- Não, não está.
-- Ele está onde?
-- Ali ó. - e apontou para o céu.
-- A gente vai contar para o Mohammed?
-- Não... Melhor assim.
-- Você o viu? - perguntou Amala.
-- Sim.
-- Ele te disse alguma coisa?
-- Disse que a guerra não pode ser o caminho. Papai era um homem que sabia das coisas.
-- É, era sim.Os dois silenciaram por um momento. O Sol começou a baixar.
-- Tá na hora. Vem. - disse Abdul. E seguiram os dois para um local especial do templo, e ajoelharam, cada um num canto. Até que Amala percebeu e falou:
-- Abdul.
-- Que é?
-- Pra que lado fica Meca?
-- ...
-- É, foi o que eu pensei. Vou virar cristã.
-- Estamos no Tibet. - respondeu Abdul.
-- E o que tem?
-- Por que não budista?
-- O deus dos cristãos é mais bonito.
-- Ah.
-- E você? - perguntou Amala.
-- Eu o quê?
-- Vai fazer o quê?
-- Pretendo ter mais dessas 'ocidental relationships'. De preferência com as medidas 86-61-86 da Gisele Bund... Bundxxion... Buntche... Enfim, com ela.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Sentimentalismo Barato (novembro/2006)

Porque eu tenho lapsos... Lapsos onde as coisas me atingem de maneira explícita e eu me orgulho de não conseguir escondê-las. Sucedem sempre em curtos períodos, tipo uns três dias de emoções à flor da pele. Depois volto ao normal: aquela distância característica que faz todo mundo enfatizar o quão emotiva eu NÃO sou, de fato.
O meu barato neste período tem sido Damien Rice, um pouco daquela raiva infantil baseada no fato de Mamãe não me deixar passar uma noite fora de casa numa rave cultural, algumas lembranças confortáveis e, o que eu consagro como a grande novidade, uma consideração esquisita que nunca me prendeu por tanto tempo: eu de mamãe?
Já me imaginei muita coisa: atriz, caminhoneira, cientista, taxista, jornalista, advogada, veterinária, organizadora de eventos, executiva, presidente, revolucionária, jogadora de futebol, hippie, comediante, poeta, cantora, bateirista, puta, médica, avó, tia, namorada de um-uma-duas-três, deus, vidente, psicóloga, pedreira, caixa de supermercado, policial etc. Mas nunca consegui me imaginar como mãe, entende? Tipo fazer um enredo desse pensamento. Pois não é que me pego conseguindo nesses últimos dias? É... Eu de mamãe.
Quando eu imaginava, focava no porquê. "Não, porque eu não quero jogar no mundo mais um(a) pra sofrer, pra aprender lições que ele(a) não pedira pra aprender, pra me abandonar depois de criado(a)... Porque eu não quero sofrer as dores do parto e gravidez pra mim não passa de uma barriga com uma melancia dentro... Porque daqui a alguns anos, o planeta vai explodir e vai haver guerra por água e eu não quero um(a) pequeno(a) meu/minha sobrevivendo por aí, tampouco 'subvivendo'.".
Ah... Mas quem sou eu, senão construção feita a partir de pele mais lisa, cintura de violão, dois peitos, coxas fartas, rebolado, visão panorâmica, sensibilidade um tanto mais aguçada? Ora... Sou mulher. Senão pela personalidade, pela anatomia e por uma série de considerações biológicas haveria de existir o dia em que eu fosse me imaginar mãe.

Pois bem... Imagino-me mãe de um pimpolho a quem um dia eu ensinaria uns golpes espertos pra não levar excesso de bica nas brigas. Não sei como seria quando brigássemos, mas não ousaria bater nele. Pelo menos tal tática, comigo, só teria lugar quando a situação fosse simplesmente drás-ti-ca, fim do mundo, apocalipse meeeesmo. [Chega dessa merda de bater.] Vejo-me como aquela espécie de mãe que dá liberdade demais para o carinha: se quiser, ele escolhe as roupas, ele escolhe o corte de cabelo, ele decide se acredita ou não em deus. A minha função é expor para ele diferentes visões, não condicioná-las a minha preferência. Claro... Eu também não serei daquele tipo que assiste a filme pornô com o pimpolho na sala, nem vou mostrar logo do que se trata uma playboy, tampouco vou permitir que ele saia sozinho de casa com seis anos de idade. E não sei como é que vou fazer se tiver que deixá-lo com alguém. Acho que fiquei traumatizada e não quero que meu filho tenha que limpar o próprio vômito só porque alguém fez com que engolisse um suco que mais parecia veneno.
E vou tentar brincar com ele o máximo que puder. E ele vai acreditar em Papai Noel - e só isso não é uma opção (não sei realmente porquê). Antes de ser mãe, quero ser amiga e confidente, por isso, quando ele chegar àquela idade em que começam os rebuliços sentimentais e mesmo os sexuais, quero ouvi-lo. Porque antes de mandar nele, creio que preciso entendê-lo.
Bom... E se for menina, eu vou certamente apreciar o desafio. Então, que venha! É que às vezes eu carrego aquela impressão machista de que a menina precisa sempre de mais amparo, coisa que eu talvez não consiga fornecer, coisa que talvez não seja real.

(...) You can sit on chimneys
And put some fire up your ass
No need to know
What you're doing or waiting for:
But if anyone should ask?
Tell them I've been licking coconut skins
And we've been hanging out
Tell them God just dropped by to forgive our sins
And relieve us our doubt (...)

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Davi (2006)

O cabelo faz cortina na cara.
Uma espinha ameaça explodir no queixo.
Já não é o mesmo garotinho de antes.
Quer porque quer uma mansão em Miami.
É entediado e sarrista por natureza.
O egoísmo toca-lhe fundo,
mas há sempre um espaço carismático para quem o persegue...
Faz biquinho e se perde desenhando.
Argumenta absurdos e o faz bem até.
Sempre injustiçado, o mundo é culpado pela sua falta de sorte.
Jesus deve olhá-lo de perto.
Queixas e reclamações estão na ponta da língua.
É um mala que sorri feito bebê quando quer agrado.
Trabalha muito bem com as mãos.
Compromisso não é assunto para ele.
Os olhos passam sempre impressão de fúria.
Quando dorme, volta a ser o garotinho que vi crescer.
Nunca tive tanto orgulho de nenhuma outra criatura...

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Virginiano (março/2005)

É um moço bem apessoado, cheio das manhas e dos bem-falares, com CULT escrito na testa. Ama um roque alternativo - daqueles bem Muse mesmo, Björk se brincar - e desfila metáforas para falar do que sente. Não é bonito, nem feio; seu grande charme está no papo e na maneira como dispõe as palavras como se quisesse parecer intelectual quando, na verdade, está sendo apenas ele mesmo.
Acha meu nome bonito e quis porque quis que nos casássemos hoje ou amanhã o mais tardar. Não ofereceu aliança, nem casa, comida ou roupa lavada. Disse simplesmente que, caso eu fosse para o Rio de Janeiro, me vigiaria para sentir que tenho quem olhe por mim.
Atira-me alfinetadas para que note a mim mesma em contradição; faz-me lembrar do tempo passado, do qual discorro sem maiores lembranças. Ele não. Parece que as tem, todas, conservadas como se cada dia fosse um pequeno passo anotado para depois.
Disse que dividiremos um pequeno apartamento com uma palmeira anã na sacada. O piso será de madeira corrida, os móveis, madeira marfim, as paredes, de algum provável tom de azul - que não seja bebê, nem super escuro muito menos cor céu - e a cozinha, branca como manda a receita. Teremos nossos DVD's favoritos na sala (Forrest Gump, Amélie Poulain, Gladiador, Moulin Rouge, Caindo Na Real) e, enquanto ele prepara o jantar - jurou ser ótimo cozinheiro, capaz de servir risoto num dia e churrasco coreano em outro -, estarei eu lá enchendo o saco, batendo os talheres na mesa só para brincar com a paciência que ele finge que tem [convenhamos, ele finge muito bem].
Hoje, inventou de me perguntar se lembrava de como nos conhecemos. Virginiano, parece imitar minha Mãe de vez em quando tamanho apego a datas e esbarrões. Claro que eu não tinha mais a mínima idéia de como nos conhecemos; fui meiga, mudei a conversa para um tom ameno (entretido que estava com a idéia de casamento, provavelmente achar-me-ía uma confusa, perdida no tempo sem lembrar da vez em que abri a janela do msn para conversar com o amor - por conveniência - da minha vida) e pudemos prosseguir sem grandes distúrbios. A propósito, conheci-o por acidente e, disso eu lembro ao menos, papeamos sobre a Teoria da Relatividade durante uma tarde inteira.
Acho que deveria seguir em frente com a minha vida e casar com ele. Estamos ambos no mesmo barco; tristes e desaventurados num sentimentozinho que ainda nos é segredo de casal.
Procura interessado entender minha maneira direta de esclarecer as coisas; deixa-me a falar com as paredes, pergunta, faz suposições. Procuro, talvez não com o mesmo tom de interesse, desvendá-lo sem grandes toques ou retoques. Ele gosta de café, não faz questão de animais e acha que a solidariedade é utópico... Inté.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Trote

Túú... Túú... Túú...
-- Alô? [voz masculina]
-- TÔ GRÁVIDA!!! [eu]
-- MÁRCIA???
Túú... Túú... Túú...

Brigas

Começam assim:
-- Mas amor, eu quero pipoca... A gente não ia comer pipoca hoje e passar a tarde no parque alimentando os pombos?
-- Eu sei amor, mas é que eu estou com uma vontade de comer churros...
-- Mas... Amor... E as pipocas?
-- Ora amor, amanhã a gente compra e passa a tarde com os pombos e faz mais o que tu quiser!
-- Não O.O vai haver pombos hoje???
-- Ué... Pombos não comem churros, comem?
-- Amor ò.ó!!! Uma coisa são as pipocas, agora... Só porque você quer comer churros, também não vamos passar uma tarde no parque com os pombos?!?!
-- Mas, porra, pombos cagam em nossas cabeças, amor!
-- AH!
Então começam assim:
-- Ah, então como é que vai o teu primo?
-- Primo, que primo?
-- Ué, o que acaba de te ligar...
-- Ah, não era o meu primo.
-- ...
-- Que foi?
-- ... Era quem?
-- Ai, pára com isso, pô.
-- Pô, e por que não pode me dizer?
-- Porque não é da sua conta...
-- ...
-- Ih... Azedou, foi?
-- Vai passar.
-- ¬¬' Olha, é melhor você parar com isso, hein?! Ou vou pra casa de mamãe! Eu preciso de liberdade, também, pô!
-- Pr'o inferno com esse existencialismo de merda! Liberdade ôcara[piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!].
Daí começam assim:
-- Presente pra tu!!!
-- Uma blusa listrada de ursinho?!
-- É sim!!! Não é bonitinha?!
-- ... Você... Você não me conhece mais!!!

E, com um pouco de sorte, elas continuam começando...

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Da falta de (des)culpas

Nem sempre as coisas acontecem do jeito que esperamos... Não vou dizer da vida, porque o que nos prega peças somos nós mesmos. Ao menos, eu tenho preferido essa hipótese para destoar a vontade que dá de dizer "foi porque deus quis".
Deus não tem nada a ver com faculdade, trabalho, casos, vulgaridades, esnobismos, solidão e vícios. Só que então ele também não leva a culpa de nada... E isso é injusto.

-- Queixas e/ou sugestões, encaminhar à gerência, no segundo milésimo sétimo andar.
É... Pode deixar que eu vou encaminhar um monte.

Mudança de Hábito

Esses dias eu me apaixonei. Foi assim mesmo, repentino. E indesejado, admito, vez que tenho a cabeça feita de problemas e os assuntos do coração só atribulam minha alma deveras pragmática. Pois é: pragmática. Portanto, jeito haveria de dar para o ocorrido ainda naqueles próximos dias.
O objeto de meus pecados era um ser sem razão de ser, como eu. Uma criatura singular, que gostava de coca-cola, ouvia roque nacional e não sabia amarrar o próprio tênis.
Deixei de lado quando me ocorreu, mas já no silêncio da noite, antes de dormir, flagrei-me numa daquelas cenas de canção clichê, juntando o antes, o agora e o depois. Confesso que empaquei no entre o agora e o depois, o que me fez pensar que precisava resolver a questão de imediato. Fui escrever um poema.
"Chavão, Reticências, Chavão
Te achei por aí
Enchendo a cara no bar
Per amore da Zizi
Começou a tocar
E eu lá sem saber
Que um dia estaria a querer
O teu tênis vermelho amarrar"
Desisti. Poema não articula bem tudo aquilo que eu não precisaria dizer, mas gostaria que alguém quisesse ouvir. (Além disso, acho que Zizi Possi não toca em qualquer lugar.) Enfim, segui rumo ao bar para falar-lhe. Estava tomando o chope de sempre, com o tênis desamarrado e uma calça engraçada:
-- Hey! Alguém apareceu! Benzadeus! Este lugar estava tão sóbrio! Senta aí, vamos conversar, vou pedir um chope. Então, sabe aquela matéria que eu escrevi? Pois é, o pessoal gostou muito lá na edição (...)
-- Eu gosto de você.
-- Como é?
-- Estou sob efeito dum sentimento que te faz pensar em alguém sem parar.
-- E você sabe que sentimento é esse?
-- Não, mas você está nele.
Pronto. Eu acabara de criar um "climão", com meu alto senso de sentimentalidade e romantismo incontestável. No momento, cheguei a pensar que deveria roubar-lhe um beijo, mas isto jamais sairia de mim sem algum tipo de consentimento por parte da criatura que, agora, me observava curiosamente.
Se vocês, apaixonados ou não, têm na lembrança um beijo qualquer, de filme ou de vivência, sabem que há aquele ínfimo momento entre o querer e o estar lá, onde os olhos não ficam tanto mais nos olhos, mas apreciam, quase que ininterruptamente, a boca. A vontade de cometer a apreciação me era enorme, acreditem, mas o fato de iniciá-la com aquele espécime que, no momento, apresentava-se ligeiramente chocado, emitindo sinais de "não sei se estou realmente a fim de te pertencer", não soou como um convite.
E eu ainda precisava dizer alguma coisa.
Deus, nestes momentos desgraçados de interação social motivada por segundas intenções, poderia fazer surgir no ar balões de quadrinhos, com mensagens instantâneas para descontrair.
-- Bom... Eu só queria que você soubesse.
-- Bem... Er...
-- Te vejo por aí. – terminei antes que pudesse ouvir qualquer coisa que não condissesse com aquilo que gostaria de ouvir. Ou de fazer. Estava me virando para caminhar em direção à porta, quando:
-- Não, ei, espera!
Pensei comigo "é isso! É um sinal!". Virei. "Ou então é só uma explicação, não é beijo, não é nada.". Virei de novo. "O que você tem na cabeça?! Vai ficar virando e desvirando, é?!". Virei novamente, e a expressão de choque, agora era de espanto. Sabe quando a pessoa faz aquele ponto de interrogação com a sobrancelha? É, foi bem isso.
"Se eu tentar alguma coisa, vou levar um empurrão?".
Decidi me aproximar, quando, qual não foi minha surpresa, já que o Universo conspira, o barman traz o meu chope e começa a conversar conosco:
-- Vida de barman, tenho que dizer, é um serviço gratificante. A gente vê de tudo na televisão e vê de tudo em bar também. Tem casalzinho, rodinha de amigos conversando sobre futebol, briga, bebedeira de corno, deixado, amante, despedida de solteiro e, claro, o zero à esquerda que vem para desabafar...
-- É, o dia-a-dia de vocês deve ser algo interessante...
-- Vejo que interrompi. Desculpem.
-- Não, não, tudo bem.
-- Ah, sério? Se é assim, deixa eu contar o que vi por aqui ainda essa semana. Vieram aí uma coroa e seus dois cachorros, daquela raça pomposa, nanica, peluda e de latido irritante. A coroa era bonita até, uns peitos grandes, sabe? Puro silicone, hehe. Não vão acreditar quando eu disser que a dona pediu bebida cara servida em tigelas para dar aos cães. Disse que os animais estavam fazendo terapia e que o próprio terapeuta recomendou que enchessem a cara para aliviar o estresse. Aparentemente, estava reformando o apartamento e os bichos estavam irritados com a mudança (...)
"Era só o que me faltava. Que me interessam os bichos, a bebedeira, ou os silicones da mulher? Que me interessam as guerras, os tratados internacionais, a obesidade infantil, o índice de crescimento do país? Que me importam este barman e sua vida interessante? Estou num estado de egoísmo exclusivista e exijo atenção. Agora!... Ai... Você não vai nem olhar para mim? Mimimi (...)".
-- Olha moço, vou ter que interromper um pouco, o.k.?! Acontece que nós aqui – e apontou-nos – precisamos conversar, se não se importa.
"É, é isso aí! Mostra para ele!".
-- Ah, que é isso, imagina.
Era preciso que eu dissesse alguma coisa. Depois de tudo aquilo, já tivera tempo suficiente para pensar em alguma futilidade útil. Poderia perguntar mais sobre a matéria, o que disseram, sei lá... Não, mas estaria fugindo do assunto. Um chope! Oferecer um chope. O problema é que já estávamos com chopes. "O.k., estou a um passo de querer que o grupo É O Tchan invada o bar. E isto é, convenhamos, altamente desnecessário. É preciso calma. Calma... Isso, pára de tremer este umbigo, porra! Agora, diga alguma coisa. Fala! Vai!".
-- Er... – ótimo, tinha ganho algum tempo.
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"Mas que FIASCO! Eu realmente não tenho nada melhor para dizer?"
-- Então... Er... – bom, estava finalmente comprovado: até uma barata causaria mais impacto que eu.
-- Eu acho que você precisa se acalmar um pouco... Olhe só, até o seu nariz está tenso... Hehe.
Mas que espécie de comentário difamador fora aquele? Verdade seja dita: nunca pensei que um nariz pudesse ficar tenso, o que me levou a crer que, se era assim visível o nervosismo, eu devia estar semelhante a uma toalha torcida. Então comecei a questionar a impressão causada por meus traços e meu visual urbano, quando, ao olhar para baixo, flagrei-me numa repentina descrença total perante alguma obscura salvação para minha fugidia vaidade, vez que meus pés encontravam-se estocados em fofas e ursulinas pantufas.
-- Meu, você está de pantufas!
-- É que... Saí na pressa, entende? – "eba, eba, estamos interagindo.".
-- Você tem algo de bizarro.
-- Sabe, esse foi o comentário mais sincero que já fizeram sobre a minha pessoa. – "muito bom, muito bom. Agora, vai, diz como você se sente."
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"POUTZ! Mas eu já disse!!! O.k., lá vai..."
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-- Posso amarrar seu cadarço?