quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A carta que Ana Maria escreveu a Cássio. E que Cássio jamais lerá.

Querido Cássio,

Quando você foi embora, eu entendi as dívidas cármicas e o significado do Natal. Não que eu pudesse, de forma alguma, chorar tanto tempo assim por conta da tua partida. Você me conhecia muito bem pra sentir medo de me magoar... E, em hipótese alguma, me magoaria.
Lembra-se de quando nos conhecemos? Não sei, hoje estou meio "retardatária". Fiquei olhando as nossas fotos de quando pequenos. Sua mãe foi visitar a minha mãe e trouxe você com ela. Naquele dia, eu me aborreci: você não se aproximava de mim e, no entanto, se distraía fácil com tudo. Não precisava dos meus brinquedos, da sua mãe, nem de nada. As suas mãos eram as personagens e você simplesmente se divertia fazendo do nosso sofá uma montanha.
Por algum tempo, devo admitir, o que me aproximava e me arrastava pra longe de ti era um tipo de inveja. Só que isso eu também não preciso admitir, porque você sabe. Eu te contei. Às vezes, acredito realmente que te contei tudo. Talvez esse tenha sido o nosso maior defeito: termos contado tudo um ao outro. Termos tido a liberdade de contar tudo. Não raro, me pergunto quando foi que resolvemos nos dar tanto espaço, mas não obtenho resposta.
Sua mãe pergunta por ti ainda hoje. Ela crê porque crê que você me escreve. E não adianta dizer que nem mesmo eu consigo te encontrar em canto algum - quanto mais receber notícias suas -; ela sempre acha que eu estou mentindo a pedido seu. O que, de certa forma, é bom, porque a conforta.
Por aqui vai tudo bem... O serviço anda a mesma coisa; o bom é que o décimo terceiro está chegando junto com as férias; o Priscilo vai bem, mas creio que ele tá meio necessitado. Esse fim de semana, vou ver como é que faço pra castrar o bichano. Tem andado muito nervosinho, miando de maneira esquista e tals. Mamãe também está ótima.
Ademais, estou saindo com um cara divertido, inteligente, educado e cabelo na cara; bem aquele tipo que eu costumava descrever pra ti nos tempos de colégio. Quem diria que, algum tempo depois, esse passaria a ser o seu tipo também... Enfim, ele promete me fazer esquecer de ti.

Sabe, Cássio, não sei. Você não me deixou saber se eu te afugentei. E isso não me entristece, me deixa é com raiva. De nós dois, você sempre foi o mais reservado, porém não o suficiente pra que eu não pudesse ter noção do que acontecia contigo. Muito pelo contrário, você sempre me deixou saber que eu tinha uma noção clara do que se passava.
Quando eu te confessei, naquele dia, que gostava de você, apesar de todos os pesares, como homem e você vacilou, não conseguiu me encarar no rosto, aí eu soube. Soube que você sentia alguma coisa também, mesmo achando que não podia retribuir em igual moeda. Pelo amor de deus, o que nós tínhamos eu jurava inquebrável. E duas semanas depois daquilo, você partiu. Sem despedida, sem aviso, sem dar satisfação alguma. Sua mãe e eu revistamos o seu quarto atrás de algum escrito, alguma notificaçãozinha idiota sobre algum plano mirabolante que você estivesse compilando, e nada. Nenhum rastro.
Eu não sei se você se apaixonou por alguém, se decidiu abandonar essa cidadezinha pequena e ir ao encontro de algo maior, se arrumou um emprego na Sibéria. São muitos os motivos que levam um menino de 21 anos a sair de casa da noite para o dia.
Há algum tempo – lembra-se? -, você me disse que nós éramos duas sementinhas abandonadas no mesmo vaso, sem crescer muito, com medo da possibilidade de interagir com outras plantinhas, ou mesmo com o sol. Disse que nos arruinaríamos mutuamente por conta desse nosso amor que mais se assemelhava a um compromisso assumido pelo medo do desamparo. Eu te encarei como quem encara um poetinha talentoso. Não levei a sério no momento, e continuamos lá, a dividir o meu travesseiro.
Comecei a dar valor ao que você disse somente algum tempo depois. Porque, a bem da verdade, você sempre foi o meu único e melhor amigo. Contigo, eu me sentia protegida; sentia que as minhas idéias eram sempre bem recebidas, quer fossem ríspidas, imbecis, ofensivas ou bacanas. Não precisava de mais nada, de mais ninguém.
Não sei até que ponto a nossa convivência me prejudicou. Tentei falar sobre isso com a minha mãe, mesmo com outros caras, mas tudo que recebi foi um “ah, então deve ser por isso que os seus relacionamentos amorosos não passam de dois meses...”. Eles ficavam tirando conclusões, apenas. E talvez tivessem razão, mas eu não tive muita paciência para ouvir. Detesto psicodrama barato.
Queria você aqui pra me explicar como isso funciona. Ou então pra ter me dito como é que funcionaria com a gente... É que, agora que você foi, eu tenho sido um pouco mais sozinha. O que não me incomoda, pois às vezes penso que você me preparou pra isso de uma maneira singular: me ensinou que é melhor conviver com quem valha realmente a pena e se sujeitar à solidão na falta, do que correr para o primeiro disposto a servir de companhia, só porque ele próprio precisa de uma.
Se você foi embora porque acreditava que nós éramos mesmo aquelas sementinhas, bem, então eu tenho vontade de te chamar de idiota. E isso pode ser egocentrismo meu pra início de conversa, porque eu bem sei que você tinha grandes planos, assim como eu tenho, mas nunca tive iniciativa de empreendê-los; só que pode também não ser. Deus sabe que você adora se esconder quando algo te aflige. Aliás, deus não sabe de porra nenhuma... Quem sabe sou eu.
E o que eu sei agora não faz grande diferença, afinal você é só uma sombra na sala com quem não posso conversar.

Da sementinha que gostava do nosso vaso,
Ana.

de perto (bang bang)
, paralamas do sucesso

^o^

Há fotos que a gente consegue passar horas olhando. =0D

terça-feira, 27 de novembro de 2007

ôxi

O celular toca.
-- Alô?
-- Alô, Andrea?
-- Gabi?!
-- É, chama o Davi pra mim, por favor?
-- Ele tá meio ocupado. Tratando de negócios com o Ricardo.
-- AAHHHHHHHHHH!!!
-- Eita, calma! Que houve?
-- AHHH! Me diz como você aguenta?!?!
-- Ele?
-- Ééééé! Me diz o que é que eu faço com ele?! Ele tá impossível!!! ¬¬''
(...)
Segue uma conversa estranha pra mim. É como se eu conversasse pela primeira vez com alguém que conhece o Davi. E também foi a primeira vez que eu tive de o.o' dar conselhos a uma... cunhada? Caraleo, véi. Detesto esse nome: "cunhada".

personal jesus, johnny cash

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Da série "pequenos prazeres".

Eu nunca assumi, mas milho verde em conserva - preferencialmente recém saído da geladeira - se equipara à pasta de amendoim servida na colher para o Brad Pitt (vulgo Joe Black), em Encontro Marcado. :0)

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Da minha ciência do abraço.

Abraçar é a imprevisibilidade de comunicação entre dois pares de braços. Eles podem ser pares confusos. Pode haver esbofeteação involuntária, ou um encaixe sublime. Pode ser que um dos lados tenha que se sentar, ou o outro subir num banquinho. Podem ser várias coisas ao mesmo tempo, mas não, ninguém pode dizer, jamais, em tempo algum, que não é bom quando na vontade dos dois lados e, por conseqüência, dos dois pares.
Abraço é diferente de beijo. Beijo molha, abraço derrete. Beijo invade, abraço desarma. Beijo machuca, abraço destrói. O caminho pr’o beijo tá no abraço. O caminho pr’o abraço pode estar no beijo, mas geralmente envolve mais coisa.
Há estudos que dizem que o abraço faz bem à saude: o nível de cortisol, o hormônio do stress, cai; são liberadas maiores quantidades de serotonina e dopamina, provocando uma sensação de conforto; a pressão sangüínea diminui e os batimentos cardíacos desaceleram. E não são necessárias grandes pesquisas ou experiências pra provar que isso tudo é verdade.
Abraço não vale quando envolve três braços: um par e outro pela metade. Um braço apenas denuncia estranhamento ou desvontade. E, se a pessoa do par inteiro for um tanto mais atenta, vai ficar ofendida por conta da meia reciprocidade, às vezes completamente ausente. Quando não rola muita intimidade, um abraço e meio desanima. Quando já rola intimidade, um abraço e meio derruba, esfria. Quando ainda rola intimidade por parte de um dos pares, um abraço e meio é feito faca.
Vulgarizar abraço é muito fácil. Todo mundo precisa de certa dose de cuidado; porém, a impressão que dá é que, com o passar dos tempos, todo mundo precisa de doses maiores. Anda difícil separar o medo do desapego (próprio e do outro) da vontade genuína. O calor humano parece uma constante necessária, quase aterrorizante. Então todo mundo se abraça e faz propaganda de abraço grátis, como se professasse uma salvação qualquer. Entretanto, esse tipo de atitude a gente não julga...
O abraço pode ser considerado um argumento pró monogamia. Não sei se a Igreja Católica se baseou no abraço pra estabelecer que um homem pertence a uma mulher e vice-versa. Prefiro pensar que é uma hipótese. Entende o esquema? A gente tem um par de braços... Usá-lo com duas outras pessoas, significa que serão dois abraços pela metade. Usá-lo com três outras pessoas, é dizer que alguém vai ter que se contentar com uma perna. Bem, é só uma idéia. Uma vaga idéia.
Abraço envolve tipos infinitos. Tem o impessoal, o apaixonado, o grato, o muitíssimo grato, o espontâneo, o inesperado, o envergonhado, o de despedida (...). Só não tem abraço roubado, porque a gente não tem como roubar isso... Beijo sim, mas porque beijo roubado é um dos ápices do romantismo - e quando é romance, a gente deixa.
O abraço possui intensidades. Tem o normal e o forte. Fraco não existe. Normal é quando é normal. Forte é quando é apertado e passa, acima de inúmeras sensações, aquele desejo de dizer que eu não queria ir embora, ou não queria que você fosse.
Abraço envolve dois papéis: o do abraçado e o do que abraça. Ainda não fiz, nem vi abraço em que a composição tivesse um papel apenas. Penso que se deve à lei da ação e reação... A ausência de dois papéis provoca inércia e o abraço não ocorre. Não é que abraços dependam de necessidades; não, eles só precisam de motivos. Às vezes, a ausência de motivos se torna um motivo pra abraçar. E, da mesma maneira, ainda há os dois papéis envolvidos...
Abraçar é falar sobre si de boca fechada e sem muitos olhares. Da mesma maneira que tu pode dizer tudo, o outro pode sacar. Segurança, medo, alegria, tristeza, desespero, saudade, raiva, confusão inclusive... Tudo.

Quando vem de mim, o abraço normal deixa claro que eu tô envolvida. O forte, deixa claro que eu tô ferrada. Sabe... A coisa que mais dói na saudade é o abraço. Por que será, hein?

maybe i'm amazed, paul mccartney

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

:0} expectations

Bem, bem, bem, bem, bem... O Davi vai prestar FAU e Mackenzie. Todo mundo tá achando - com uma fé, assim, terrível *-* - que ele passa no Mackenzie, mesmo não estudando. Ele quer Design. Andei falando com uns amigos, e eles me disseram que em Design tá cheio de gay. O Davi não sabe disso ainda.
Anyway, hoje eu começo a novena. Liguei ontem no desespero, à 1h da manhã, pra minha Tia pra perguntar a que santo eu me apego. Ela disse que era melhor eu me apegar a =0D todos. Mas deu que vou me apegar a Santo Expedito, a Santa Rita, de quem minha Vó é devota, e a São Judas Tadeu, pelo meu Vô.
Penso que isso é ser sacana com os céus, uma vez que eu só busco esse tipo de ajuda quando a situação tá a ponto de bala aqui na Terra. Mas, se der certo, garanto que cumpro a minha promessa.

sway, michael blublé

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Quem dá a resposta?

Romildo adentrou a sala. Lá, havia três portas. Três portas e uma secretária, com cara de inteligente, sentada atrás de um balcão de mármore à direita.
-- O chefe?
-- Escolha uma das portas e prossiga pelas salas subseqüentes. - disse ela, em tom sério, mas com uma carinha simpática.
Romildo não entendeu direito o sentido daquilo. Mas tudo bem, tudo bem... Afinal, as regras não eram dele.
Ele parou diante das três portas. A primeira dizia "o infinito"; a segunda dizia "a dúvida" e a terceira, por sua vez, não tinha nome algum. Pensou que a porta da dúvida estava fora de cogitação; não conhecia certezas, mas também não gostava de dúvidas.
-- O senhor não tem muito tempo para decidir. Eu preciso chamar os outros.
-- Ah, sim, sim.
Optou pela porta sem nome. Caiu numa sala escura, com um feixe de luz pairando sobre uma cadeira de madeira. Pensou "é, acho que é só esperar, né?". E esperou. Esperou. Esperou pacientemente durante 40 minutos. Nada. Decidiu voltar e dizer à secretária que havia cometido um engano, que talvez aquela não fosse a porta; que o chefe deveria estar em uma das duas outras salas.
Quando abriu a porta pela qual havia entrado, caiu não naquela primeira sala, mas no que parecia ser uma garagem. Havia lá dois carros. Havia também algumas ferramentas espalhadas, duas bicicletas a um canto e uma bola de futebol na qual Romildo tropeçou. Assim que levantou, viu uma menininha passar e correr em direção à bola. Ele teve medo por um instante, mas percebeu que ela não o via. Ficou doido de vontade de ver se ela, além de não vê-lo, conseguia atravessá-lo, mas achou que seria uma "forçação" de barra um tanto quanto desnecessária. Por isso tentou ele próprio atravessar as paredes. CATAPLOFT! "Mas que saco!". E calou-se de supetão, pois não sabia se ela podia ouvi-lo. Só que não, também não o escutava.
Ela ficara segurando a bola durante alguns instantes, e ele não entendeu. Ficou espiando e percebeu que ela começava a chorar, encolhida. De dentro da casa, vinha um som de vozes nervosas; não dava pra entender o que diziam, mas não ficava difícil saber que se tratava duma briga. Romildo atentou para a menina, que encolhia mais, pondo-se ao lado das bicicletas. Foi quando uma das vozes ficou realmente alta, como se estivesse vindo de encontro a ele: "seu babaca! A Mimi vem comigo!".
A menina levantou a cabeça, ainda com os olhos turvos, e viu a mãe aproximar-se e pegá-la no colo no impulso. "E o papai, e o papai?!", ela perguntava, mas a mãe se limitava a responder "ele não vem com a gente, ele não vem!". Romildo observava aquilo atônito. Ouviu o pai berrar de algum dos cômodos, e resolveu entrar pra ver por que não vinha. A casa era espaçosa: sala grande, sofá de quatro lugares, uma cozinha de azulejos verdes e móveis mais antigos. Mas, como não visse ninguém, decidiu invadir mais. Em um dos quartos, finalmente, viu um homem numa cadeira de rodas, chorando.

Edileuza entrou na sala. Viu lá as três portas e a secretária, toda toda, parecia que ía pr'um baile funk. Pensou que aquilo ali não devia ser lugar pra tanta frescura e que "o chefe" comia ela toda a noite, de sobremesa.
-- Dá licença, eu queria falar co' chefe.
-- Escolhe uma das portas ali. Ah, e, por favor, sem chiclete, tá? - respondeu a secretária, com um sorriso sarcástico.
Sem muita paciência, escolheu a porta do nome bonito: "o infinito" e deu no que parecia ser um banheiro de boate, com espelhos manchados. "Aquela vaca deve tá rindo agora; ha-ha-ha-ha, quem foi que entrou no banheiro?! Ah, mas isso fica assim não!". E abriu a porta, esperando encontrar a secretária se matando de rir. Porém acabou num quarto de motel. Na beirada da cama, tinha uma mulher semi nua, acendendo um cigarro. Do lado, recostado, um homem uns 10 anos mais velho contando notas na carteira. Ele atirou as notas ao lado dela, na cama, e acariciou sua carne morena uma última vez. "Bom, querido, 'cê tem meu celular", disse ela. "Da próxima vez, quero te levar pra jantar, Silvana.".
Edileuza seguiu Silvana. Não ía ficar no quarto com aquele porco. Logo reparou que Silvana não podia vê-la. "Tu não tá com a cara boa." - comentou Edileuza, em vão. Silvana não ouvia não. "Deve ser alguma pegadinha isso aqui (...) Esse cigarro tá te deixando chupada... Sabe, eu também fumava bastante. Mas dei uma segurada; o cunhado de uma amiga minha morreu por causa que fumava muito. (...) Então tu é puta, né? É, vai entender, essa vida não é fácil não. Mulher é bicho forte, é sempre dura na queda. (...) Mas afinal 'cê tá com uma cara xoxa. 'Margura, parece 'margura que não acaba mais.".

Edileuza falava e seguia Silvana. Silvana tava indo pr'o ponto; alguma esquina onde tinham mais duas colegas. Silvana jogou o cigarro fora e chegou rebolando junto dum carro preto que se aproximava. O esquema era dois pra uma. Edileuza ficou olhando de longe, enquanto alertava "cuidado! Olha lá! Esses aí não tão com cara tão boa! Quando é mais de um, esse ar de esperto, desconfia! Silvana!"; percebeu que Silvana não tava muito em si quando topou, e resolveu ir com ela. Entrou no carro, mas era como se não estivesse lá.
O carro seguiu para um motel de quinta. No quarto, Edileuza, como bem tinha imaginado, viu que os dois tinham armado pra cima de Silvana. Usaram clorofórmio; Edileuza gritava, empurrava os garotos, chutava, mas nada pegava neles. Ela gritava "isso aqui é alguma brincadeira?! É alguma brincadeira?!". Até que, terminado o negócio, eles foram embora e deixaram Silvana machucada, desacordada no quarto. Edileuza não teve muito que fazer, senão ficar por perto.
Sussurrava pra ver se ela despertava, mas nada. Teria que esperar. Esperou. Esperou. Esperou pacientemente durante uns 35 minutos, até que Silvana levantou. Tudo rodava, seu lábio tinha gosto de sangue e seu olho direito não abria certo. A cabeça latejava; por entre as coxas dava pra sentir o molhado repugnante e ela sentia as pernas doídas pra fora da cama.
Levantou aos poucos, com raiva, toda zonza. Tinha vontade de chorar, mas não conseguia. Onde é que estava a porra do cigarro? Não, não. Não era hora pra fumar. Edileuza acompanhava a mulher com medo; queria dizer alguma coisa. Silvana caminhou lentamente para a janela. Era uma janela grande, daquelas mais antigas, mas espaçosa o suficiente para fazer o que tinha que fazer. Edileuza notou aquele olhar cego de Silvana; Silvana abrira a janela bem aberta e, com dificuldade, punha perna depois de perna pra sentar no peitoril. Não precisava de muita coragem. Edileuza começou a falar assustada "não faz isso não mulher! Faz isso não! Pára!!! PÁRA!!! Silvana!!!" - e Silvana olhou pra trás como quem ouviu.

Dudu desceu as escadas correndo, não quis esperar o elevador. Tinha as flores nas mãos, o perdão ensaiado. Marília tinha engravidado e ele ficara meio puto. Coisa não planejada; os dois empregados, porém no início da carreira ainda. Ela nem bem terminara a faculdade.
Ah, tudo bem, isso se ajeita, ele dizia. Estava com um cargo promissor. Se destacava nos cursos, cuidava do social, tinha tudo para montar um bom futuro e conseguir prover pr'um filho todo conforto possível. Mas, no momento... A coisa toda ameaçava desequilibrar.
Marília e ele haviam se conhecido numa festa, há uns três anos. Amigos em comum, baladinhas aqui e ali, conversas à toa, conversas mais intimistas; um dia a coisa rolou. E, ao contrário do que se pensava, eles até que estavam se aturando bem. Tinham planos, mais parecidos com idéias, é certo, mas ainda assim maquinavam morar juntos: acordar com os cabelos de um na cara do outro; ver quem atingiria o ápice do mau humor com as manias alheias, essas coisas de casal que se conhece, se adora, contudo não se atura por muito tempo quando colado.
"-- Sabe Marília, a verdade é que eu não planejei a minha vida ao teu lado. O que a gente vai fazer com um filho?!". Eram palavras duras; ele bem sabia que um punhado de flores não resolveria o problema. Ademais, arrependido ou não, ele dizia a verdade.
Atravessara o lobby com pressa. O paletó numa mão, as flores na outra. Não queria ter tempo pra pensar.

Corria muito, como se aquilo pudesse aliviar um pouco a ansiedade. Até esbarrar numa velhinha que lhe disse, após ouvir os insinceros pedidos de desculpas, "cuidado, garoto, desse jeito louco 'cê ainda é atropelado". Ele deu ouvidos e cessou a correria; caminhava agora, ironicamente pensando que tão logo fora-lhe dada a notícia de que seria pai, tão mais cedo ele corria para a morte sem poder. É... O Dudu já estava preso.
Foi quando ele resolveu sentar num dos bancos de uma praça, pra pensar direito. Encostado a um dos cantos do banco, havia esse cadeirante fumando. Ele fumava a intermináveis tragadas e tinha a cara vazia. Do outro lado, sentada, estava Silvana vestindo roupas insinuantes.
"Nada melhor do que meditar e encontrar a paz interior dividindo um banco com um aleijado e uma puta." - pensara. A verdade é que Dudu era um idiota e sabia disso. Tanto sabia que fazia de propósito, pelo prazer de provocar - aos outros e a si próprio.
-- Eu acho muito desumano compartilhar banco de praça com outras pessoas, sem saber o nome delas. Meu nome é Eduardo. E o seu, senhorita?
-- Edileuza.
-- Hm, Edileuza. E a senhorita trabalha em quê?
-- Por um acaso isso é problema seu?
-- Digamos que pode ser do meu interesse...
Ela simplesmente levantou e foi embora. Havia marcado com um cliente das antigas. Só que ainda era cedo. Mas não fazia mal esperar em outro lugar.
-- E o senhor, como se chama?
-- Romildo.
-- Faz o quê?
-- Faço porra nenhuma.
-- Soa produtivo.
-- Muito. Já ouviu falar em ócio produtivo de alto nível?
-- Não mesmo.
-- Pois é. Pratico há 3 anos, desde que me instalaram nessa cadeira.
-- Ao menos tá vivo.
-- À merda.
Romildo também foi embora e Dudu pôde desfrutar da solidão. Ele não pensou muito, apenas deixou as flores no banco e foi embora após uns 30 minutos. Caminhava normalmente, sem ligar pra muita coisa, até perceber uma placa, em frente a um estabelecimento parecido com uma loja, só que de vitrines vazias e porta preta, que dizia "quer a resposta?". Ele resolveu entrar.
Chegou no único atendente que havia, um menino de uns 17 anos trajando uma bermuda branca, e falou "eu quero a resposta".
-- Pra isso tem que falar com o chefe. Tá vendo aquele corredor? Segue por ele e vira na segunda à direita, depois na primeira à esquerda e então na segunda à direita novamente. É uma sala de espera; vão te chamar.

Ele foi sem grandes pretensões. Chamaram até que rápido. Quando adentrou a sala, viu a secretária à direita. E ela tinha um nariz de palhaço, daqueles vermelhos e bem redondos. Ele ignorou o fato e tentou ater-se ao que realmente interessava.
-- Por favor, eu queria falar com o chefe.
-- Escolha uma das três portas adiante.
-- Tá de palhaçada comigo, né?
Ela não precisava responder à pergunta.
Ele escolheu a porta da dúvida, afinal era por isso que estava ali. Além disso, achava o infinito uma coisa cretina e uma porta sem nome, algo provavelmente desinteressante.
Caiu numa calçada que dava de frente para o banco onde estivera. E, qual não fora sua tão grande surpresa, lá estava ele ao lado do aleijado e da puta. Vira toda a cena, desde o momento em que sentara, as conversas desagradáveis até aquele impulso que o fez levantar pronto pra tomar seu rumo sem as flores. Neste exato momento, Dudu, da calçada, começou a gritar "não faz isso, seu merda! Pega as flores agora! Pega as flores!!! É a tua menina e o teu filho!!! São teus! Pega as flores, AGORA!!!".

Edileuza deixou o quarto. Entrou no elevador; encarou o espelho manchado: "tu não tá com a cara boa. Deve ser alguma pegadinha isso aqui (...) Esse cigarro tá te deixando chupada... Precisa dar uma segurada; o cunhado da Roberta morreu por causa que fumava muito. (...) Então é isso que tu vai ser pra vida toda, né? Puta? Essa vida não é fácil não. Como é que eu fui chegar nisso? 'Cê não pode mais. (...) Mulher é bicho forte, é sempre dura na queda. (...) Mas afinal 'cê tá com uma cara xoxa. Margura, parece margura que não acaba mais...".
Edileuza seguia pr'o ponto; pensava milhares de coisas. Imaginava uma vida diferente daquela; precisava parar com aquilo. Foi para a esquina onde tinham mais duas colegas. Edileuza assumiu Silvana, jogou o cigarro fora e chegou rebolando junto dum carro preto que se aproximava. O esquema era dois pra uma. Silvana se exibia, enquanto observava os garotos e algo a alertava "cuidado! Olha lá! Esses aí não tão com cara tão boa! Quando é mais de um, esse ar de esperto, desconfia! (...)". Apesar de tudo, Silvana estava prestes a concordar quando olhou pra trás pensando ter ouvido alguém chamar-lhe "(...) PÁRA!!! Silvana!!!" e foi então que, de seus lábios tristes, surgiu a resposta para o convite indecente:
-- Hoje não, rapazes. Hoje não.
Uma das meninas virou pra ela e disse:
-- Edileuza, tá lôca?!
-- Eu que não. Quando alguma coisa dentro da cabeça grita mais que o normal, tu tem que parar pra ouvir. E, se eu fosse você, também não dava trela pra esses caras aí não.

Romildo adorava o mar: era um biólogo especializado em vida marinha. Um dia, porém, decidiu mergulhar próximo às pedras, na praia em que ele, a esposa, a filha e a família costumavam passar as férias. O mar estava agitado e ele encontrava-se já um pouco alto, por conta da cerveja; foi quando uma onda forte o jogou contra as pedras e acabou fraturando sua medula. Essas mesmas ondas, acabaram por levá-lo até a praia, desacordado. Desde então, Romildo ficara enfiado numa cadeira de rodas.
A mulher e ele não se davam muito bem, mas levavam o casamento adiante por causa da Mimi. Só que depois do acidente, o que já não era muito suportável, passou à qualidade de intrinsecamente detestável. Romildo era o típico cara mais parado; levava murro de graça, sem se importar muito. A única coisa que o movia de verdade era a filha. A filha e o mar, só que o mar já não era uma constante em sua vida. A mulher lhe torrava a paciência, especialmente agora que ele passava o tempo em casa, desmotivado e inútil. Ele até tentou se bastar como coordenador de pesquisas e tal, mas não aguentou. Sentia muita falta do mar e o seu serviço começou a decair. Tanto decaiu, que Romildo foi despedido. Essa falta de responsabilidade perante a família que o marido também tinha o dever de sustentar e, principalmente, a autopiedade dele irritavam-na profundamente. E ele via isso. Tanto via que, conforme o tempo foi passando, já não lhe era suficiente ficar em casa cuidando da filha, pois aquela sensação de inutilidade e comodismo, frente o olhar reprovador da mulher, começava a incomodá-lo.
A solução imediata que ele achou pra isso foi a ausência. Passava o dia fora; nem cuidar da filha ele fazia mais. Procurava emprego aqui e ali, pra fazer coisas das quais ele nem entendia. Era só pra dizer que procurava e ouvir menos da mulher.
Veio então o dia em que ele foi ao cinema. Passava um filme sobre teatro, com a Denise Fraga e o Luís Melo. No filme, todo o dia a Denise Fraga cumprimentava esse velho sentado numa cadeira com um radinho na mão, na entrada do teatro, e ele respondia "obrigado". Uma merda de filme, enfim.
Foi então que, naquela noite, em casa, Romildo decidiu que queria ficar sozinho de vez. Ele e a mulher brigaram; ela saiu de casa com a Mimi. Um Romildo surgiu à porta do que reconheceu ser seu próprio quarto; flagrou a si mesmo como aquele homem na cadeira de rodas chorando, e disse "é a minha vida e eu preciso pegá-la...".
Olhou em volta, agora enxugando as lágrimas. Sentia-se estranhamente leve.

Dudu levantou bruscamente. Estava suado, respirando rápido; a seu lado, Marília, assustada, perguntava "que foi?! Tá tudo bem, Du?". Na cômoda, as flores que ele trouxera para ela, ao lado do seu paletó abarrotado por causa da corrida.
-- Tá... Tá sim. Eu te amo, Ma.
Ela o abraçou bem forte e os dois voltaram a deitar. Marília pegou no sono rápido; Dudu ficou com Ma nos braços, porém desperto, observando cada canto do pequeno quarto com relativa calma.


Dudu, Romildo e Edileuza jamais se encontraram. A dúvida, o infinito e a porta sem nome são a mesma coisa. O chefe é o cara das respostas fáceis, a quem todo mundo procura, ou por quem todo mundo anseia de vez em sempre. Se o Dudu, o Romildo e a Edileuza o encontraram, eu prefiro deixar a encargo do leitor decidir.

É a loucura, o destino, deus, o diabo, um pressentimento, um anjo, um presságio, a sorte, o chefe? A gente nunca sabe... A gente só sabe que, em questão de 5 minutos, o mundo já girou um tantão assim ó.

vivir sin aire, maná

música para os ouvidos

Quando eu tô bem, bem, beeeem triste, eu gosto de ouvir um samba ou Mamonas pra animar. Quando eu tô com muita raiva, escuto Nirvana. Quando tô ansiosa, escuto Sum 41. Quando chove, escuto Jamie Cullum, Dave Brubeck, Nina Simone, mais cool jazz. Quando quero dançar brincando de desfile, roda Shakira e Pink. Quando não tô muito nada, nem muito tudo, escuto Damien Rice sem risco de enjoar.
Quando é fim de semana à tarde, frio, escuto o 4 do Los Hermanos ou Norah Jones. Quando é fim de semana à tarde, quente, escuto o que tiver no meu pc de bom. E quando faz sol de manhã, é música de praia: Jack Johnson.
Quando é na semana, de manhã eu levo música no iPod que todo mundo no cursinho curta ouvir - menos funk carioca. Funk carioca eu não levo e não canto em lugar algum. Só danço. Quando é na semana, de tarde, eu rodo o que tiver no pc e, quando os exercícios de física e história não cooperam
(é incrível como a gente sabe a matéria, mas erra um monte!), dou preferência às cordas. Vai B. B. King, Dashboard Confessional, Ben Harper, Django Reinhardt, Rachel Portman, Yann Tiersen, Rita Lee, Ryan Adams, Bebel Gilberto, Toquinho, Enya, Luís Melodia etc. À noite, que é quando dá pra pensar, mais Damien Rice, Oasis, Stereophonics, Skank, Ocean Colour Scene, Legião, Coldplay, Bidê Ou Balde e segue...
Quando quero lembrar de pessoas e até de mim mesma, escuto Avril Lavigne. Quando quero pensar besteira, escuto um cd que eu gravei que se chama "pra pensar em sexo"; na real, real mesmo, era pra se chamar "código 69: pra trepar", mas Mamãe achou o título meio inconveniente. Gostou, mas ainda assim achou meio inconveniente, então a gente teve que fazer uma adaptação.

E quando eu crescer, quero ser DJ nas festas dos nossos pais.

minor swing, django reinhardt [é a física... tudo culpa da física u.ú]

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

os efeitos da radiação de cozinha.

Tava pensando aqui comigo... Se eu deixar a salsicha ferver no microondas, ela pode sofrer mutação? O.o' Hm.