sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Da minha ciência do abraço.

Abraçar é a imprevisibilidade de comunicação entre dois pares de braços. Eles podem ser pares confusos. Pode haver esbofeteação involuntária, ou um encaixe sublime. Pode ser que um dos lados tenha que se sentar, ou o outro subir num banquinho. Podem ser várias coisas ao mesmo tempo, mas não, ninguém pode dizer, jamais, em tempo algum, que não é bom quando na vontade dos dois lados e, por conseqüência, dos dois pares.
Abraço é diferente de beijo. Beijo molha, abraço derrete. Beijo invade, abraço desarma. Beijo machuca, abraço destrói. O caminho pr’o beijo tá no abraço. O caminho pr’o abraço pode estar no beijo, mas geralmente envolve mais coisa.
Há estudos que dizem que o abraço faz bem à saude: o nível de cortisol, o hormônio do stress, cai; são liberadas maiores quantidades de serotonina e dopamina, provocando uma sensação de conforto; a pressão sangüínea diminui e os batimentos cardíacos desaceleram. E não são necessárias grandes pesquisas ou experiências pra provar que isso tudo é verdade.
Abraço não vale quando envolve três braços: um par e outro pela metade. Um braço apenas denuncia estranhamento ou desvontade. E, se a pessoa do par inteiro for um tanto mais atenta, vai ficar ofendida por conta da meia reciprocidade, às vezes completamente ausente. Quando não rola muita intimidade, um abraço e meio desanima. Quando já rola intimidade, um abraço e meio derruba, esfria. Quando ainda rola intimidade por parte de um dos pares, um abraço e meio é feito faca.
Vulgarizar abraço é muito fácil. Todo mundo precisa de certa dose de cuidado; porém, a impressão que dá é que, com o passar dos tempos, todo mundo precisa de doses maiores. Anda difícil separar o medo do desapego (próprio e do outro) da vontade genuína. O calor humano parece uma constante necessária, quase aterrorizante. Então todo mundo se abraça e faz propaganda de abraço grátis, como se professasse uma salvação qualquer. Entretanto, esse tipo de atitude a gente não julga...
O abraço pode ser considerado um argumento pró monogamia. Não sei se a Igreja Católica se baseou no abraço pra estabelecer que um homem pertence a uma mulher e vice-versa. Prefiro pensar que é uma hipótese. Entende o esquema? A gente tem um par de braços... Usá-lo com duas outras pessoas, significa que serão dois abraços pela metade. Usá-lo com três outras pessoas, é dizer que alguém vai ter que se contentar com uma perna. Bem, é só uma idéia. Uma vaga idéia.
Abraço envolve tipos infinitos. Tem o impessoal, o apaixonado, o grato, o muitíssimo grato, o espontâneo, o inesperado, o envergonhado, o de despedida (...). Só não tem abraço roubado, porque a gente não tem como roubar isso... Beijo sim, mas porque beijo roubado é um dos ápices do romantismo - e quando é romance, a gente deixa.
O abraço possui intensidades. Tem o normal e o forte. Fraco não existe. Normal é quando é normal. Forte é quando é apertado e passa, acima de inúmeras sensações, aquele desejo de dizer que eu não queria ir embora, ou não queria que você fosse.
Abraço envolve dois papéis: o do abraçado e o do que abraça. Ainda não fiz, nem vi abraço em que a composição tivesse um papel apenas. Penso que se deve à lei da ação e reação... A ausência de dois papéis provoca inércia e o abraço não ocorre. Não é que abraços dependam de necessidades; não, eles só precisam de motivos. Às vezes, a ausência de motivos se torna um motivo pra abraçar. E, da mesma maneira, ainda há os dois papéis envolvidos...
Abraçar é falar sobre si de boca fechada e sem muitos olhares. Da mesma maneira que tu pode dizer tudo, o outro pode sacar. Segurança, medo, alegria, tristeza, desespero, saudade, raiva, confusão inclusive... Tudo.

Quando vem de mim, o abraço normal deixa claro que eu tô envolvida. O forte, deixa claro que eu tô ferrada. Sabe... A coisa que mais dói na saudade é o abraço. Por que será, hein?

maybe i'm amazed, paul mccartney