segunda-feira, 19 de março de 2007

A sobriedade do discurso

O mundo todo é uma bagunça... Ninguém se escuta, todos se batem, se xingam, cuidam dos seus e se arranjam como podem. Há pessoas que não têm o que comer, outras que não têm onde morar e outras que morrerão na fila do transplante de rim, mas isto, convenhamos, é papo para discussões com duração média de duas horas e 'pegapacapá' de quinze minutos na consciência.
Só que então vai aparecer esse moço na avenida ─comprando─ a minha coolaboração num projeto em prol da educação. "É o seguinte: eu estou arrecadando fundos para lançar um projeto que (...)" conceda tantos e tantos benefícios à população brasileira. Daí, alguns passos adiante, vai aparecer este pequeno grupo de ativistas do Greenpeace mobilizando um milhão de assinaturas que intimem o governo a tomar providências mais sérias em torno da questão ambiental de mil tratados ineficazes, enquanto todo mundo caga no rio, volta pra casa em algum veículo expelidor de gases causadores de efeito estufa e esquece que o governo é o principal investidor das madeireiras. Dali cinco minutos, entremeio às pregações do Greenpeace, ao discurso do candidato no palanque, ao projeto de cunho futurista do nosso amigo educador, às distribuições de panfletos e amostras de arte, ignora-se um mendigo.
A questão não é quanto tempo essas reflexões/observações de merda perduram na cabeça, ou qual a parte de cada um na construção de um mundo melhor, ou ainda quanto vale a porra de uma consciência. É esse amor pela humanidade, essa coisa que impregna. Mesmo sendo um fatalista, enumerador das proezas podres do mundo, você se sensibiliza de tal maneira que essa esperança que as pessoas carregam, que os filmes, as letras e a convivência proclamam, te alcança. Chega mesmo a irritar, filho da puta: um sentimentozinho t
ão intocável, contraditório e, ainda assim, tão ironicamente humano...
A mim não dói pensar que o mundo talvez esteja se aproximando dum desfecho ruim, catastrófico etc e tal; não dói pensar que, entre os homens, já não há um relacionamento em si, mas sim uma globalização e até mesmo uma exposição de babaquices e interesses; não dói pensar no egocentrismo de toda essa gente que só quer passar bem, muito bem. O que dói realmente é pensar no inocente que morre, no fato de que 40% da população brasileira não sabe ler nem escrever, na fome, no mendigo que eu aprendi a ignorar, ou ainda naquele cara enfiado num hospital com uma doença infalível. Porque é triste. Porque é esse o tipo de coisa que nos atinge: a falta. As causas dela, porém, são apenas alvos de empreendimentos filantrópicos e, até onde vai a nossa boa-vontade, ineficazes, como demonstram os gráficos de quaisquer injúrias. Mas, como eu disse, isto não passa de papo para discussões 'pegapacapá' de quinze minutos na consciência...
Agora, como há de ser, você e eu voltaremos aos nossos afazeres: pensaremos naquela pessoinha que nos faz sentir bem, voltaremos às conversas raras de confiança, em que se destilam nossas mais íntimas bobagens e devaneios acerca de desimportâncias crucialmente importantes para nossas insignificantes vidas, escolheremos uma música que rime com nosso estado de espírito momentâneo e indagaremos sobre o filme que vai passar às 22h no SBT, ou, o que seria bem mais proveitoso, afinal televisão é um lixo - só passa merda -, sentaremos a um canto dando cabo ao livro de 700 páginas sobre a vida e os ideiais prodigiosos de Jesus, Gandhi, Che Guevara, John Lennon (...)

Ass.: números, engenheiros do hawaii.

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