terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O que eu penso e sou numa noite, na contramão.

Eu estava quase são. Recomecei a sentir meus pés e o mundo que eu via voltava à rotineira calma. Meus amigos tinham enlouquecido na noite anterior; eu tinha sobrevivido, como sempre em revolto tédio. Algo sempre me puxa pra baixo. É uma força estranha; talvez a chuva.
Meus dedos das mãos estavam duros. Eu não sabia o que passava até dar meio-dia e aquele sol morto ter invadido o quartinho pequeno. Há horários simbólicos na vida da gente. Meio-dia e meia-noite são dois. 11:11 também, mas porque eu sou ao mesmo tempo sonhador e idiota.
Se eu fosse mesmo um homem, jamais escreveria alguma coisa sobre o 11:11. Gente, ainda bem que não sou homem.
Eu levantei do sofá, cheio de dor nas costas. Ainda revia na cabeça cenas da noite passada: uma pista de dança, o cheiro dos cigarros e da cerveja, as meninas se insinuando e meus amigos se embriagando. Tenho amigos mais idiotas que eu. Eles me fazem rir e me distraem com suas discussões de alto teor alcólico.
Os meus melhores amigos são todos melhores que eu e me ensinam coisas bacanas, porém tenho um tesão tão grande por eles, que, pra relaxar, acabo preferindo sair com os idiotas. Mentira. A preferência pelos idiotas, digo. O tesão tá sempre lá.
A menina que eu queria pegar estava bêbada e eu desisti. Houve uma hora em que eu senti uma daquelas vontades ridículas de cão excitado, mas deixei de lado quando a vi de lá pra cá com a latinha de cerveja, falando sobre budismo. Esses mortais e seus desejos infalíveis.
Saí carregando um pelo braço. Eram 5h30 da manhã e eu larguei todos no metrô. Dois deitaram na escadaria, eu ri e virei as costas. Não seria a primeira vez, tampouco a última. Idiotas ou não, eles sabem que eu pulo fora quando me entedio. E eu me entedio.
Fedia a cigarro e bebida, mas não estava cansado. Queria ficar a sós, então não fui pra casa. Ninguém me esperava. Ao menos, assim eu fingia. Fingir, pra mim, sempre foi algo simples... Fingir coisas reais, porque os dragões e todos aqueles cenários medievais já foram embora. Talvez por isso - mas só por isso - eu lamente o fato de não ser mais criança.
Quando criança, eu costumava imaginar esconderijos e passagens secretas, dentro do castelo que era o meu sobrado. As coisas começaram a mudar quando do sobrado fomos para um ap de 65 m². Só que, de lá, eu via o céu de pertinho. Os sonhos podem ter ficado mais reais, sim, mas também aumentaram de tamanho diante daquela imensidão. Quem faz das estrelas esconderijo é a pessoa mais bem escondida do mundo. Eu já não precisava me enfiar debaixo da mesa de jantar.
Pois é, eu não sou mais criança. Não falo mais em dragões. Agora penso em demônios. E olha que eu não sou velho, nem tenho grandes coisas das quais me arrepender.
Penso muito na minha Independência; não gosto que me esperem, não gosto de depender de ninguém pra considerar um dia perfeito; gosto de me bastar comigo e com a minha grana - e só com ela. A Independência é o demônio que não dá folga e, por isso, eu deixei todo mundo no metrô e saí com ela.
Paguei um quartinho imundo, pra passarmos a noite. Não raro, eu tenho desses repentes e meu paradeiro é absolutamente desconhecido. Não sei se vocês já experimentaram, mas, se tiverem energia pra saborear, sugiro que prestem atenção à diversão que segue à diversão. Como quando a gente chega em casa cansado de dançar, coloca um pijama e dorme. Ou quando você acaba de sair do cinema e tem a chance de comentar o filme com alguém. Ou ainda quando você deixa os amigos no metrô e caminha, sozinho, um pouco antes de nascer o Sol, junto àquele resto de sereno da madrugada.
Eu realmente me divertia comigo, caminhando e pensando sobre as besteiras da noite. E, eventualmente, sobre as minhas besteiras. Tinha uma vontade louca de escrever e de beber uma latinha de fanta-uva. Decidi passar na padaria e comprar a maldita fanta-uva, mais um enroladinho de salsicha e carolinas para a sobremesa. Nunca conheci nenhuma outra carolina tão gostosa quanto as que apanho em determinadas padarias. Eu, como homem, tenho direito a esse tipo de comentário.
Cubículo com cama e sofá. Fiquei no sofá com a minha fanta-uva. Queria um espelho para poder ver minha língua mais vermelha que o habitual, mas não havia desses luxos. Não tinha meu caderno comigo. Nem caneta, nem nada. Comecei a pensar em escrever nas paredes com sangue, mas não gosto de nenhum tipo de dor. A ideia apenas flutuou.
Eram quase 7h da manhã. A diversão já tinha passado; eu pensava na menina que queria ter pego e em como pareço estar cercada de pessoas que se orgulham das próprias concepções de mundo, mas estão apenas afogadas nelas. É vergonhoso, mas eu chego ao ponto de poder dizer que sou mesmo superior. Ela falava das coisas em que acreditava e eu, fingindo ser algo que se assemelhava a um ateu, ouvia atenciosamente. Foi inebriante. Até que a menina se chapou toda, como se já não tivesse bebido o suficiente, e eu larguei de mão daquilo. Guardei por um tempo o que me impressionou, mas acabei descartando.
Aquilo que te cativa, pela simples sobriedade mágica do momento, regada a discussões envolventes, na maioria das vezes vai ser descartado. As pessoas são demasiado incompetentes pra sustentar com força suas ideias. Elas queimam neurônios com muito mais destreza e vontade.
Às vezes eu realmente sinto um certo tipo de violência pelos seres humanos. Algo que me atinge com raiva e tamanho desrespeito que é preciso segurar a saliva na boca pra não cuspir. Só que eu também sou cheio dessas e logo desvirtuei; comecei a pensar nas pessoas que amo e que me divertem de fato.
De alguma forma, sinto que elas conseguem se misturar com mais facilidade, sem conflitos. Ainda assim, sempre que faço uma ideia delas, imagino a capinha do "O" do Damien Rice. Há gente que realmente não deixa de ser quem é quando se mistura; se pá, exagera um pouquinho, mas não precisa fingir nada. Tem essa guria, por exemplo, que sai pra pegar "filés". Alguns não têm cérebro, outros têm, mas, por algum motivo, ela não se acerta com eles. Pessoas que têm muito cérebro, quando juntas, se perdem em meio a discussões idiotas. Talvez pra compensar a carga de utilidade. Enfim, ela pega, volta pra me contar e passamos a tarde conversando sobre isso e todo o resto.
O gozado é que eu deixo saber que sou o match dela, mas, talvez por um equívoco biológico, não nasci homem, algo que, nesse sentido, acaba me limitando. Homens e mulheres deviam ser mais que os próprios corpos, deviam ser todos bissexuais. Besteira. Eu digo isso, porque sou um homem frustrado.
Tenho também um amigo muito otimista. Sempre que nos deixamos levar por nossas opiniões, o meu mundo acaba e o dele continua, com lobistas e verde convivendo em notável harmonia. Eis um cara, cujas palavras não me silenciam nem admiram em nada. Há pessoas que fazem sentido e têm um enorme senso de finalidade; há outras que apenas fazem sentido. Eu e meu amigo nos ajeitamos confortavelmente na última opção. O que é muito conveniente, já que eu não gosto de pensar no futuro.
Minhas carolinas começavam a acabar. Já eram 7h20 da manhã e eu me sentia improdutivo.
Tinha muito sono e meus pés estavam dormentes. O tédio começava a se abater sobre mim, porque, fazendo as minhas vezes de fútil, eu pensava que, bêbada ou não, a menina podia estar me distraindo. Fato que me entediava mais ainda, porque, considerando as pessoas demasiado incompetentes pra sustentar com força suas ideias, colocar-me no lugar delas é grotesco e eu não ia abrir mão da minha razão por qualquer prazer insólito. Não ia? Nessas horas, eu perigo gritar um grande FODA-se.
O reconfortante nisso tudo é que, agora, pelo menos, eu não fazia tanta questão da menina; poderia ser qualquer uma que eu me bastava. Mas o mais reconfortante, por trás dessa ironia ridícula, era eu estar sozinho - senão por ideal, ao menos pela representação desse ideal. A isso chamamos dignidade: a sobra involuntária que acaba concordando com aquilo que você diz que pensa.
Dormi.

Ao meio-dia, então, levantei de vez. Alardeando por dentro o tédio remanescente e a vitória de mais uma noite de resistência. Eu não havia cedido, permaneci superior, apesar de ter lamentado qualquer coisa que, agora, não fazia tanta importância. Lá fora, reluzia um sol fraco que, logo mais, daria lugar à chuva.
Deixei o cubículo com sofá e cama. Sentia-me distante e começava a analisar o hotelzinho fundo de quintal, o dinheiro que saía da minha conta por causa de uma noite de Independência, o celular com bips seguidos de chamadas perdidas. Havia pessoas que se preocupavam comigo e que me esperavam. Bufei, não de insatisfação ou qualquer outra mediocridade. Não, de todas as coisas que eu poderia ser e sou, não sou uma pessoa ingrata. Bufei porque precisava inventar uma história convincente, e isso dá trabalho quando você promete voltar de manhã e chega na hora do almoço, sem razão aparente.
"Promete não ficar brava? Ok, eu sei que você já está. Tenho uma explicação racional pra tudo isso: fiz sexo selvagem e estava na casa da menina até há pouco. Contente? Não atendi ao celular, porque não ouvi. Sim, sim, estou voltando pra casa.".
Eu realmente sempre fui muito bom com esse negócio de fingir coisas reais. E a chuva começava a cair.

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