sábado, 16 de maio de 2009

São Jorge, por favor, me empresta o dragão

pr'eu poder duelar com justeza. E, se não for pra afastar os inimigos, que seja pra me arrumar um outro, com escamas grossas e garras, no lugar de palavras afiadas.
Eu pedi a ela que ficasse um tempo, não todo tempo do mundo, mas só o suficiente pr'eu tirar dali mais do que costumo. Eu queria tirar os segredos, ideais, pensamentos aleatórios, bobagens, vícios, maldades e guardá-los todos numa caixa.
Mas ela não quis. Ao invés disso, quis ir embora; tentou segurar a minha mão e fingir que estava tudo bem. Eu, meio hipocondríaco, queria explicações... Senão explicações, ao menos sintomas que justificassem aquele desinteresse todo. Só que não havia nada, muito menos resposta.
Talvez fosse medo. Não tem doença maior que o medo. Só que, novamente, ela não tremia, nem parecia deprimir qualquer que fosse um último toque. Não há nada que apavore mais do que abraçar e não poder abraçar de novo. Será que ela não sabe disso? Ou não aprendeu? Eu ensino, eu ensinaria, mas me sentia num tal lugar comum que seria preciso um guindaste pra me tirar de lá.
Eu começava a desconfiar de toda aquela inércia, parecia de fato uma doença, ainda que assintomática. Ela continuava a conversar como se eu fosse um boneco de pano. Talvez fosse mesmo e eu só me arriscasse a suspeitar. Pensando bem, sempre achei minhas mãos pouco firmes. De vez em quando, chego mesmo a machucar com a força com que tenho de pegar para sentir as coisas passando por elas.
Sabe, eu não pedi muito. Pedir tempo às pessoas, hoje em dia, parece um pedido absurdo, mas eu só queria aprender coisas novas e ela me oprimiu com o vago. O esforço nem foi tão grande e eu me senti pequeno, porque, em algum minuto, me permiti acreditar que havia sentimentos reais ali. Ela não me soltava, mas também não preenchia espaço. E, convenhamos, quem é que quer mais um clipe de papel?
Comecei a pensar, então, que não havia fingimento não. E daí indaguei se hoje tá todo mundo assim tão protegido... Tão putamerda anestesiado... Afinal, ela não me sentia esvaindo, a mão soltando? Não me viu pedir? Eu juro que peço tão descaradamente... Quase como uma exigência.
Por isso, eu quero esse dragão. Pr'ele bater nela e fazê-la chorar! Ou então pra ser o dragão do horror imediato e ocupar o lugar dela de coisa que avassala e aflige aos pouquinhos, lentamente. Ela que eu não posso gritar, não posso insistir, porque é feio e eu não vou sobrepujar a liberdade de ninguém.
Mas é bem verdade que, talvez, não houvesse realmente nada e que eu tenha acreditado em alguma coisa, por força do muito desacreditar. Pensando bem, minha hipocondria deve ser falta de fé.