sábado, 14 de abril de 2007

Amor na Matemática

"As folhas tantas do livro de matemática, um quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma incógnita. Ele, quociente, produto notável de uma importantíssima família de polinômios, e ela uma simples incógnita da mais mesquinha equação lateral.
Oh, que inequação tremenda! Mas, como vocês todos sabem, o amor vai de menos infinito a mais infinito: o amor não tem limites nem derivados.
Foi numa maravilhosa noite de primeiro diedro de setembro que ele a encontrou. Ela, numa secção circular, no meio de n incógnitas e n equações, se punha em evidência, com seu belo vestido de linhas trapézio-isósceles. Olhou-a de vértice à base; olhou-a de todos os ângulos agudos e obtusos. Era uma figura ímpar: olhos rabóides, boca trapezóide, corpo ortogonal e linhas senoidais.
Fez de sua vida uma vida paralela à dela até se encontrarem no infinito.
-- Quem és tu? - perguntou ele com ânsia radical. E ela com expressão algébrica de quem ama, respondeu-lhe docemente:
-- Eu sou a soma dos quadrados dos catetos, mas pode me chamar de Hipotenusa (ao quadrado).
Eles se amaram ao quadrado da velocidade da luz, numa 6ª potenciação, traçando ao sabor do momento e da paixão, retas, curvas, círculos e linhas cossenoidais, no jardim da quarta dimensão. Ele a amava e a recíproca também era verdadeira, e por teorema anterior concluímos que se adoravam numa proporção contínua e diferencial em todo o intervalo aberto da vida.
Finalmente eles resolveram se casar, constituir mais que um lar: uma perpendicular. Convidaram para padrinhos o poliedro e a bissetriz e traçaram planos, equações e diagramas para o futuro, sonhando com uma felicidade integral.
Três quadrantes mais tarde, quando ela já estava com as coordenadas todas positivas, eles se casaram numa matriz. Tiveram uma secante e dois diametrozinhos muito engraçadinhos.
Para completar a alegria descobriram que eram primos entre si. Que felicidade: ela já havia sofrido 4 operações e algumas simplificações, mas continuava bela e esbelta. O amor entre eles crescia em P.G...
Foi quando surgiu entre eles o máximo, o máximo divisor comum, freqüentador de círculos concêntricos e viciosos, que ofereceu a ela grandeza absoluta e reduziu-se a um simples denominador comum.
O quociente, consciente desta regra de três, vira que com ela já não formava mais um todo, uma unidade; era o vértice deste triângulo, também chamado amoroso. E deste problema que era uma simples fração, a mais ordinária e imprópria. Foi então que resolveu determinar um ponto de descontinuidade na vida dos outros dois.
Numa noite fria do primeiro semi-período, quando encontrou os dois amantes em amoroso colóquio, sua mente tornou-se ponto de acumulação de raiva e de vingança: puxou o 45, fez um giro de 20 graus e aplicou a solução trivial.
Isto foi o necessário e suficiente para que os dois amantes passassem para o campo imaginário e ele, quociente, fosse parar num pequeno intervalo de pequenos buracos quadráticos, onde passou o resto de sua desgraçada existência e unicidade.".

Este texto é dos anos setenta. ;0D Quem diria? Há números humanos também.

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